Você já deve estar sentindo saudade do tempo em que juízes eram valorizados pela discrição, pela imparcialidade e pela sabedoria de se pronunciar no foro e no local adequados.
Hoje são todos superstars, nenhum deles consegue se conter — e o resultado é uma cena como a do ministro Celso de Mello prestando contas a uma senhora num shopping de São Paulo, munida de um smartphone.
Transformado em comentarista de rede social, Mello, movido pela vaidade de ser reconhecido e uma estranha falta de decoro, se deixou usar por uma liderança de um certo Movimento Contra a Corrupção, MCC.
Como todos os similares, o MCC combate os corruptos, mas apenas os do PT, com uma especial predileção por Dilma e Lula.
A mulher, identificada como Ana Cláudia, gravou a “entrevista” com o ministro do Supremo e a colocou no YouTube e na página do grupo no Facebook.
“Impeachment é golpe?”, ela quer saber, ironicamente.
“O impeachment não pode ser considerado um ato de arbítrio político, de violência política. Muito pelo contrário. O impeachment, uma situação como essa, é um instrumento legítimo pelo qual se objetiva viabilizar a responsabilização política de qualquer presidente da República, não importa quem seja, não importa qual o partido político a que essa pessoa seja filiada”, diz ele.
Ana Cláudia faz uma pergunta capciosa repercutindo uma declaração de Lula segundo a qual a Lava Jato teria prejudicado a economia. “Jamais a operação Lava Jato pode ser considerada como causa geradora de emprego ou de crises econômicas”, Mello responde, sem o bom senso de não responder a algo sobre o qual só ouviu falar através da militante.
Teori Zavascki, diz Mello, está sendo atacado injustamente: “Eu acho que a decisão do ministro Teori Zasvascki foi uma decisão, tecnicamente, correta, juridicamente, adequada aos padrões legais”.
Bem, a simpática Ana Cláudia e seus amigos têm uma opinião diferente. Segundo o grupelho de justiceiros do qual a entrevistadora é membro atuante, Teori é “vendido”, “apadrinhado pela companheirada”, “golpista”, “cabrita do Lula”, “ladrão”, “safado imoral”, entre outros adjetivos impublicáveis.
O Brasil não será transformado em Cuba, apesar de vivermos num regime comunista. Sergio Moro vai nos salvar do “cachaceiro de nove dedos” mandando-o para a prisão, onde o “anticristo” vai apodrecer. (Listei alguns posts do MMC abaixo)
Etc etc.
Faz sentido, num momento delicado como o que vivemos, um representante da corte mais alta do Brasil se prestar a um papel de escada para esse tipo de facínora ignorante?
Não passou por sua cabeça que estava prestando um serviço a um tipo de gente que, assim que ele fizer algo que desagrade a cartilha, também vai calunia-lo, difama-lo e enxovalha-lo?
O vídeo foi parar no Jornal Nacional, coroando uma trajetória gloriosa, a famosa relação ganha-ganha. É recomendável agora que Celso de Mello se comporte e permaneça no escript ditado por Ana Cláudia — ou ele se sua família vão receber uma visitinha dos patriotas do MCC, como recebeu o filho de Teori Zavascki.