Publicado originalmente no Brasil de Fato:
Por Nara Lacerda
Sem realmente sair da segunda onda do coronavírus, o Brasil se vê frente à possibilidade de passar por um terceiro pico na crise sanitária. O número de óbitos por covid-19 vem decrescendo há sete semanas, mas os novos casos estão subindo há um mês, e a chegada da variante indiana tem potencial para piorar o cenário.
A nova cepa, chamada B.1.617, possui três versões, identificadas entre outubro e dezembro do ano passado, e já está em mais de 40 países de todos os continentes. Não é possível concluir que ela é a única responsável pelo caos que atinge a Índia desde abril, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a variante um risco global.
No Brasil, ela chega em um momento de alta diária de contaminados. A média móvel de novos pacientes cresce há mais de dez dias seguidos, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde. No estado de São Paulo, mais de 85% dos hospitais privados estão com 80% dos leitos de UTIs lotados.
De acordo com o levantamento geral do governo do estado, que analisa a situação de UTIs públicas e privadas, a lotação crítica atinge 78,5% das unidades. “Isso significa que o sistema de saúde ainda está sobrecarregado, que o nosso ritmo de vacina ainda está lento e que as nossas medidas de prevenção não estão sendo eficazes”, afirma a médica Fernanda Americano Freitas Silva, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, em conversa com o podcast “A Covid-19 na Semana”.
Um dos pontos de atenção da cepa indiana são as mutações na proteína espícula, que compõem a superfície do coronavírus. É a partir dela que é feita a ligação às células humanas. Essas mudanças podem indicam que o vírus está se adaptando para uma maior velocidade na propagação.
Ainda não há certeza sobre a gravidade dos sintomas que a variante pode causar. No entanto, na Índia ela vem sendo associada até mesmo ao aumento de uma infecção por fungo fatal, a mucormicose, que causa morte em metade dos casos.
Diante das possibilidades de piora ainda mais acentuada na situação do Brasil, as medidas de restrição da circulação de pessoas e a aceleração da vacina são, novamente, o principal caminho para evitar mais uma escalada da crise sanitária.
Fernanda cita o boletim mais recente da Fiocruz, que alerta para tendência de crescimento de aumento de casos da Síndrome Respiratória Aguda Grave em oito estados. “As estimativas reforçam a importância da cautela em relação às medidas de flexibilização enquanto a tendência de queda ainda não estiver sido mantida por tempo suficiente”.
Segundo a médica o aumento nos atendimentos já é realidade nas unidades de saúde e o cenário pode piorar, “O patamar ainda está alto e a retomada das atividades de maneira precoce pode justamente interromper essa queda que ainda está em valor muito distante de um cenário de segurança”, alerta.
Ainda assim, o presidente Jair Bolsonaro, insiste no discurso de desvalorização das medidas de isolamento. Na segunda-feira (17), ele chamou de “idiotas” as famílias que ainda mantêm o isolamento social como prática diária. Segundo o Datafollha, atualmente elas representam cerca de 30% da população, menor índice desde o início da pandemia.
Na última quarta-feira (19), Bolsonaro inaugurou uma ponte entre as cidades de Santa Filomena, no Piauí, e Alto Parnaíba, no Maranhão. No evento, o presidente creditou o desemprego no Brasil às pessoas que defendem as medidas de restrição.
Os casos de reinfecção também acendem o alerta. Um estudo do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) aponta que esses pacientes respondem por mais de 30% dos contaminado registrados em Manaus desde janeiro.
“Para evitar um terceira onda a gente precisa garantir uma vigilância genômica e epidemiológica bem fortalecida em todo o território. Outro problema é a falta de unidade no discurso. Cada estado e município está tentando controlar as coisas do seu jeito e, enfim, a vacinação, o ritmo ainda está lento, ressalta Fernanda.
Na última sexta-feira (21), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que todas as medidas sanitárias já foram tomadas para isolar a variante indiana identificada no Maranhão. Ele ponderou, no entanto, que a cepa é “um fenômeno biológico, que não é matemático”.
No mesmo dia, o governo do Ceará divulgou que foi notificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre um caso suspeito da variante na capital do estado, Fortaleza. Segundo a gestão estadual, o paciente também veio da Índia e cumpre isolamento.