Chanceler da África do Sul diz que situação em Gaza é pior do que no apartheid: “Matança”

Atualizado em 25 de abril de 2024 às 10:41
A ministra das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor. (Foto: Reprodução)

Durante entrevista à Folha de S.Paulo, a ministra das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor, 70, afirmou que os recentes ataques promovidos por Israel em Gaza criaram uma situação muito pior do que o apartheid (regime de segregação racial sul-africano). “As ações recentes de hostilidade, a matança e a destruição de propriedade são, na nossa visão, muito piores do que nós vivenciamos [no apartheid]”, afirmou Pandor, que estava em Brasília. Naledi também comentou sobre as falas de Lula, que comparou as ações israelenses com as de Adolf Hitler contra os judeus no holocausto.

Uma das acusações feitas ao governo de Israel é a de que o país pratica apartheid em relação aos palestinos. Quais semelhanças a sra. aponta?

Está claro que há muitas semelhanças com a forma como as pessoas negras foram tratadas na África do Sul durante o apartheid. É por isso que hoje muitas pessoas falam de um apartheid em Israel. A prática de separação e confinamento de um grupo de pessoas a um território específico; a exigência de autorizações, de não poder mover-se entre uma área e outra sem se submeter a controles de identificação por forças de segurança… nós tivemos todas essas experiências sob o apartheid, inclusive a mais significativa: a desapropriação de terras sem compensação. Então há muitas práticas que imitam o que a África do Sul viveu durante o apartheid.

Há aspectos que são muito similares. Em certo grau, diante da violência em Gaza, como sul-africanos, sentimos que isso vai além do que nós vivenciamos [no apartheid]. Claro que nós tivemos assassinato, tortura, mas nunca tivemos a destruição indiscriminada de uma comunidade, a intenção de causar fome, a intenção de negar água e energia. As ações recentes de hostilidade, a matança e a destruição de propriedade são, na nossa visão, muito piores do que nós vivenciamos [no apartheid]. (…)

(…) Lula em fevereiro comparou os ataques de Israel em Gaza à decisão de Hitler de matar os judeus, numa referência ao Holocausto. Concorda com essa fala?

Eu jamais criticaria o presidente Lula. Acho que um dos problemas que todos nós precisamos olhar é por qual razão achamos que Israel merece impunidade. Trata-se de um nível de impunidade que nenhuma outra nação tem. Consegue imaginar o que o mundo diria se nós, sul-africanos negros, tivéssemos decidido percorrer o país após conquistarmos nossa liberdade disparando contra os brancos, nossos antigos opressores? O que o mundo estaria dizendo? Ninguém aceitaria isso. Mas para Israel nós podemos chamar as coisas por nomes diferentes e mais gentis. Cerca de 30 mil palestinos foram mortos. Por que isso não nos causa agonia e preocupação, de que no século 21 algo dessa natureza possa acontecer?

Ministério da Saúde de Gaza aponta a morte de pelo menos 30 mil palestinos (Foto: Mahmud Hams/AFP)

A presidência brasileira do G20 passa por uma situação parecida da vivida pela África do Sul no ano passado em relação ao mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e sua possível visita ao país. O Brasil tem algo a aprender com a experiência sul-africana?

Nós mandamos um convite ao presidente Putin e ele decidiu que não compareceria [ao Brics]. Foi uma decisão inteiramente dele. A Rússia é membro do Brics e nós precisamos mostrar a ela a cortesia que damos a qualquer membro do bloco. No fim das contas é decisão deles [russos]. De novo, voltamos ao tema que já levantei: de dois pesos e duas medidas. Há uma série de horrores ocorrendo nos territórios ocupados da Palestina. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, um mandado [de prisão] foi emitido imediatamente após a apresentação de denúncia ao Tribunal Penal Internacional. Nós apresentamos reclamações ao tribunal contra os líderes de Israel e nenhum mandado foi expedido. As pessoas são tratadas de forma diferente dependendo de quem é a vítima.(…)

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