Para onde vai o Chile? Por Emir Sader

Atualizado em 22 de novembro de 2021 às 12:08
Os candidatos no segundo turno do Chile
José Antonio Kast e Gabriel Boric. Foto: Reprodução

Por Emir Sader

O Chile vinha numa dinâmica determinada, desde que começaram as maiores mobilizações desde o retorno da democracia ao pais, há dois anos. Mobilizações que conquistaram a convocação de uma Assembleia Constituinte, com a eleição dos parlamentares, com maioria de eleitos independentes, com a Frente Ampla – organização da nova esquerda – em primeiro lugar.

A nova Constituição, com paridade de gênero e com representação direta dos mapuches, que elegeram a presidenta, já começava a ser elaborada, sempre numa dinâmica sempre progressista. Quando começou a dinâmica da eleição presidencial, que deixou a Constituinte meio na sombra e projetou uma disputa que teve um resultado contraditório com as tendências da nova Constituição.

Depois de oscilações nas pesquisas, o resultado do primeiro turno colocou o candidato da extrema direita, José Antonio Kast, em primeiro lugar, com diferença de cerca de 2% para o candidato da Frente Ampla, Gabriel Boric, em segundo lugar. A novidade maior foi a votação de um candidato que parecia bizarro, Franco Parisi, que fez a campanha desde Alabama, nos Estados Unidos, porque não pode voltar ao Chile, devido a uma multa milionária de pensões devidas à sua ex-mulher. Ele chegou em terceiro lugar, superando a candidata da Democracia Cristã e do Partido Socialista – que haviam governado o pais desde a redemocratização do pais – e do candidato do desprestigiado presidente Sebastian Pinera.

A projeção para o segundo turno favorece, em uma primeira avalição, a Kast, que poderia contar com os votos de Parisi e de Sebastian Sichel, candidato de Piñera, que somam 25% dos votos. Enquanto que Boric deve contar com os votos da candidata da Democracia Cristã-Partido Socialista, Yasna Provoste e de Marco Ominami, cujos votos somados chegam cerca de 20%. Caso estas transferências se deem, Kast ampliaria sua vantagem para cerca de 7%.

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Os fatores que mudaram as pesquisas e projetam novo favoritismo no Chile

Quais os fatores novos, que mudaram as pesquisas e projetam o favoritismo do candidato da extrema direita no segundo turno?

Em primeiro lugar está a presença no Chile do mesmo fenômeno presente em outros países latino-americanos – Brasil e Argentina, entre outros – da projeção ascendente de candidatos da extrema direita. No Chile Kast explorou temas como a luta contra a corrupção e a velha politica – se distanciou de Pinera, também para não sofrer os desgastes do atual presidente -, contra o Estado e a favor das privatizações, do combate à violência, da luta contra a imigração – tema sensível no norte do pais – e de um programa econômico neoliberal, reivindicando tanto a Pinochet com a Bolsonaro – enquanto em outros países até a direita tratou de se distanciar do presidente brasileiro.

O candidato da Frente Ampla, Gabriel Boric, defende um programa clássico da nova esquerda: anti-neoliberal na economia, defensor das politicas de preservação do meio ambiente, das politias dos movimentos de mulheres, da descentralização política, favorecendo as regiões mais postergadas do pais.

Parisi defende um programa econômico neoliberal, anti-politica e anti-Estado, com uma roupagem liberal, de defesa “das pessoas”- como colocou nome do partido que criou Partido das pessoas. Acabou capitalizando o voto de jovens, que costumavam se abster no primeiro turno. 

O Chile aprovou, há alguns anos, o fim do voto obrigatório, o que levou a que a participação eleitoral baixasse radicalmente. Grande parte dos jovens nem sequer tiraram seu titulo eleitoral. Os presidentes – como a própria Michele Bachelet – foram eleitos com menos de 30% dos votos. Mais da metade dos chilenos passou a se abster. 

Mesmo com as mobilizações dos últimos dois anos, a participação eleitoral nestas eleições continuou baixa, com abstenção de mais de 50%. Este universo continua sendo a variável que pode, eventualmente, mudar o resultado do primeiro para o segundo turno.

De qualquer forma, o cenário politico do Chile mudou. A extrema direita demonstra muita força. Os partidos tradicionais – Partido Socialista e Democracia Cristã – praticamente desaparecem como forças importantes, embora mantenham certa bancada no novo Parlamento. A nova esquerda – a Frente Ampla – ocupa o centro das alternativas de esquerda.

Uma eventual vitória de Kast deixará o Chile numa situação de isolamento, contando com o governo brasileiro, no ano final do mandato de Bolsonaro. Caso Lula se eleja, a aliança dos três maiores países da América Latina – Brasil, Argentina e México – contribuirá decisivamente para consolidar esse isolamento. A retomada do modelo neoliberal no Chile teria poucas possibilidades de dar forca ao novo governo, como aconteceu com o governo de Mauricio Macri na Argentina.

O segundo turno, de 19 de dezembro, será muito acirrada, com os resultados dependendo da transferência de votos dos outros dois candidatos para o Kast, mantendo-se o universo atual de votantes. Ou a esquerda consegue decifrar os abstencionistas e consegue mobilizar parte significativa deles, conseguindo redistribuir as cartas do jogo e virando a votação a seu favor. Os jovens, que foram protagonistas fundamentais das mobilizações dos últimos dois anos, podem ser determinantes para essa virada.

 

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