Por Leonardo Sakamoto
O tenente-coronel Mauro Cid afirmou, em sua delação à Polícia Federal, que Michelle buzinou bastante no ouvido do então presidente Jair Bolsonaro para que ele não aceitasse o resultado das eleições. Basicamente colocou a ex-primeira-dama como mais golpista que o golpista.
A informação foi revelada por Aguirre Talento, aqui no UOL, nesta sexta (10). Dessa forma, Cidinho dá o troco em Michelle, que sempre deixou claro que não gostava do então ajudante de ordens do marido, apesar dos extensos serviços bancários prestados por ele.
E põe por terra as versões que circularam no momento em que ele fechou a delação premiada, de que a preservaria, centrando fogo em Jair e nos militares.
Cid é peça central para desvendar várias maracutaias envolvendo a família Bolsonaro. Além do registro falso de vacina, há a tentativa de surrupiar joias dadas ao país pela Arábia Saudita, as ações de Jair para enterrar a democracia e, como esquecer, a mutreta envolvendo os gastos pessoais de Michelle.
O tenente-coronel foi instruído pelo então presidente a ser um tipo de “caixa-eletrônico” da primeira-dama. A Polícia Federal avalia que grana pública pode ter abastecido os mimos dela, mas a família Bolsonaro diz que a fonte era o salário do marido.
“O conjunto probatório colhido durante o estudo do material apreendido (inclusive o contido em nuvem) permite identificar uma possível articulação para que dinheiro público oriundo de suprimento de fundos do governo federal fosse desviado para atendimento de interesse de terceiros, estranhos à administração pública, a pedido da primeira-dama Michelle Bolsonaro, por meio de sua assessoria, sob coordenação de Mauro Cid”, aponta trecho de relatório da PF.
Mauro Cid não fazia Pix, DOC, TED, nem transferência bancária. Não que o então faz-tudo desconhecesse como usar um aplicativo de banco, mas, ao que tudo indica, a primeira-família não conseguiu largar o antigo hábito de usar dinheiro vivo, mais difícil de ser rastreado e ótimo para maracutaias.
“Eu faço depósito, eu não faço transferência bancária, não”, afirmou Cid em um pacote de mensagens relevadas também por Aguirre Talento, no UOL, em maio deste ano. Essa, em especial, foi a resposta que ele deu a uma assessora da então primeira-dama, que havia passado a ele os dados de Pix para pagamento do veterinário do pet e da podóloga da patroa.
Em outra mensagem, uma assessora diz que Michelle Bolsonaro solicitou R$ 3 mil e que se não fosse possível depositar na sua conta, um mensageiro iria buscar. Algumas horas depois, Cid enviou um comprovante de depósito em dinheiro. Em ainda outra, ele pede a outro militar que trabalhava com ele, o tenente Osmar Crivelatti, que fosse feito um depósito de R$ 4,9 mil para a “Dama”.
Já não era novidade que Mauro Cid fazia pagamentos na boca do caixa em dinheiro vivo em nome da família Bolsonaro. A imprensa vem denunciando essa situação usada por grupos que querem esconder irregularidades, como já fizeram a Folha de S.Paulo e o portal Metrópoles. As mensagens e os áudios de Cid, no entanto, reforçaram o escândalo.
Enquanto empresas e sociedade usam e abusam de transferências bancárias e do Pix, não tendo receio de que suas movimentações estejam registradas para a fiscalização, eles tentavam encobrir os rastros. Em outra conversa entre assessoras: “Perguntei para ela se ela [Michelle] queria transferir Pix, né? Daí, ela falou: não, vamos fazer agora tudo depósito, que, aí pede pro Vanderlei fazer o depósito, a gente consegue o dinheiro e faz o depósito”.
Essa parte da investigação da PF, que busca descobrir se despesas pessoais de Jair Bolsonaro e da primeira-dama foram pagas com dinheiro do público, sugere que o presidente atualizou o desvio de salários de servidores dos gabinetes da família em algo mais chique: o uso de dinheiro da Presidência da República. E que as funções de saque e depósito de Fabrício Queiroz, antigo faz-tudo da família da época em que o presidente era deputado federal, ficaram a cargo de alguém mais graduado, o tenente-coronel Mauro Cid, seu ajudante de ordens.
Se Cidinho não poupou Jair, que lhe tinha apreço, mas o jogou ao mar para se safar, imagina então alguém que claramente nunca demonstrou respeito por ele. O tenente-coronel, enfim, deu o troco, após anos servindo como caixa-eletrônico. Vingança é prato que se congela para comer depois.
Publicado originalmente na coluna de Leonardo Sakamoto, no Uol
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