Cid Moreira morreu. Minha saudosa e medrosa e amada tia Tetê lhe respondia o “boa noite” no encerramento do Jornal Nacional.
Com sua cara de gesso, Cid era como um parente na casa de milhões de brasileiros, uma esfinge da ditadura que dizia, no subtexto das monstruosidades que recitava no teleprompter: “Decifra-me ou te devoro”.
Só não havia nada a decifrar porque aquela era uma cabeça oca (o que não o exime de culpa). Lia o que o patrão mandava. Nunca deu sua opinião sobre os generais, a repressão, a tortura, as mortes nos porões, as mentiras que contava sobre o “Brasil Grande” dos militares. Não se sabe o que ele achava de seu patrão Roberto Marinho.
Em 1997, o jornalista Nelson de Sá fez na Folha um curto perfil de Cid que reproduzo abaixo por sua atualidade e precisão:
Outro dia estava Cláudia Jimenez a arremedar Cid Moreira no “Casseta e Planeta”. Mas é raro que se fale dele hoje. A Voz, apelido que herdou de Heron Domingues, o Cid Moreira do “Repórter Esso”, está algo esquecida em seus editoriais e na idade que as plásticas não escondem mais.
Foram pelo menos quatro, a primeira pouco antes de estrear com o “Jornal Nacional” em 1º de setembro de 1969, em plena vigência do AI-5. Não foi a primeira face da integração nacional, ideal do regime.
Hilton Gomes proferiu as palavras mágicas: “O Jornal Nacional da Rede Globo, integrando um novo Brasil, inaugura-se neste momento.” Mas ninguém era páreo para “El Cid”, que entrou em seguida: “Para vocês, a escalada nacional de notícias.”
Cid Moreira foi a cara da ditadura. Mimetizou o regime em seu rosto, não na opinião, que inexistia (a maior revolta contra os militares foi implicar com o nome Geisel). O resto do corpo inexistia – Walter Clark dizia que ele apresentava o “JN” de bermudas.
Um rosto que se esforçava em nada expressar, primeiro com silicone, depois a gordura tirada da barriga para substituir o silicone que escorria. O problema maior em duas décadas de autoritarismo foi um sulco na testa, que deixava o semblante pesado, o que era impensável.
Também tirou a papa e virou um lactofrutivegetariano. Casou-se com a cabeleireira e é ele quem, na secretária eletrônica do telefone do salão, indica tratamentos de beleza.
Foi o “bugio branco” da alcunha dada por Leonel Brizola, foi sua face tranquilizadora que manteve o Brasil extático quando caía o general Sílvio Frota ou morria Wladimir Herzog.
A face e a voz, dona de um fascínio irracional, pentecostal, que vai muito além da técnica. (Não é à toa que está gravando todo o “Novo Testamento”.)
Voz que é toda ela carisma, na expressão e exaltação de ninguém menos que Boris Casoy, que começou no rádio tomando Cid Moreira, então também no rádio, como modelo.
A Voz come alho cru e masca gengibre até hoje, exilado nos editoriais de Roberto Marinho. Eternamente a voz e a máscara do Grande Irmão.