Em política, quase nada é como parece ser.
Por mais que todos os olhos estejam sempre voltados para a cadeira do executivo nacional, no nosso falido sistema de presidencialismo de coalizão, é no congresso e, por gravidade, nos estados que o poder realmente se manifesta.
Não é à toa que o termo mais apropriado para a farsa que destituiu a presidenta Dilma Rousseff em 2016 seja o de “golpe parlamentar”. Justamente porque foi a sua falta de apoio no parlamento a causa fundamental para o êxito do golpe.
Num paralelo direto, Michel Temer, que num espaço medíocre de tempo teve sua cabeça oferecida em bandeja duas vezes naquele mesmo salão, pôde se safar tranquilamente em ambos os casos dada a maioria de corruptos que lhe dão sustentação.
Expostos os dois casos, fica claro que um presidente, seja ele quem for, não governa – ou mesmo conclui o seu mandato – se não tiver uma base de apoio no Congresso Nacional que assim o permita.
E é nesse contexto que o Partido dos Trabalhadores sai dessas eleições como o grande vitorioso.
Dono da maior bancada do Congresso e com o maior número de governadores eleitos nos estados, o PT mostrou que não só continua vivo como continua imperando como o maior partido de esquerda da América Latina.
A essa altura alguém já pode está questionando que por esses termos o grande vitorioso seria o PSL, partido de Jair Bolsonaro que levou a presidência e apresentou a maior taxa de crescimento não só no Congresso como nos estados.
Seria se esse fenômeno não representasse tão somente o resultado de uma aposta irracional de uma gigantesca parcela da sociedade brasileira num aglomerado de irresponsáveis conservadores e autoritários que, em maior ou menor medida, espelham os sentimentos mais primitivos de uma classe média racista, preconceituosa, excludente e elitista.
Diferentemente do PT que sofre tanto com o desgaste natural de um partido que esteve no poder por 13 anos entre erros e acertos, quanto pelo desgaste causado por toda sorte de manipulação realizada pelo jornalismo de guerra de nossa mídia oligopolista, o PSL figura como um estreante a herói nacional sem qualquer lastro anterior de governabilidade com que se possa fazer alguma comparação.
Isso não é vencer propriamente. Vencerá de fato se nas próximas eleições, testado na prática o seu poder de governar, tiver desempenho eleitoral similar.
Seja como for, a grandeza do feito do PT se dá por ter conseguido um desempenho que nenhum outro partido conseguiu nessas eleições mesmo sendo bombardeado por uma campanha bolsonarista crivada de mentiras e uso ilegal de caixa dois.
Sem contar, é claro, com o estrago causado por décadas de desinformação patrocinada alegremente por meia dúzia de famílias da grande imprensa nacional.
Sejamos sinceros, que outro partido da esquerda nacional suportaria tamanha adversidade?
Dessa forma, penso que não cabe aqui encontrar “culpados” pela derrota honrosa de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila.
O PT perdeu a disputa pela presidência da República porque foi submetido a uma corrida desigual em que o poder econômico, as Fake News e a própria justiça eleitoral fizeram a grande diferença em favor de um candidato escandalosamente mais despreparado.
A covardia – e de certa forma, a esperteza – de Jair Bolsonaro em não participar dos debates, impediram que uma grande parte da população brasileira pudesse enxergar com a clareza necessária a diferença abissal de preparo entre os dois candidatos disponíveis.
Talvez até por isso mesmo, jamais observamos tamanho índice de votos nulos desde as eleições de 1989.
O fato é que encerrado o processo eleitoral, o que fica é a posição tomada pelos grandes agentes políticos do país.
Seria extremamente injusto não reconhecer de público a gigantesca contribuição de Guilherme Boulos e do PSOL nesse segundo turno.
Aqui, é claro, não falo de número de votos, mas de algo infinitamente maior.
Falo do compromisso inegociável com a democracia brasileira. Falo do sentimento de responsabilidade de um político e de um partido diante uma iminente tragédia a assolar o seu país. Falo, enfim, da dignidade pessoal de um homem que coloca os interesses nacionais muito acima dos seus interesses pessoais.
São exatamente essas atitudes que separam políticos de carreira de verdadeiros estadistas. Suspeito que por sua postura, nenhum candidato tenha saído tão fortalecido individualmente como Guilherme Boulos. O que além de tudo, é importantíssimo para a renovação de nosso quadro de líderes de esquerda.
E eis que é nessa imediata contramão, para a estupefata surpresa de uns e simples confirmações de outros, que surge Ciro Gomes.
Inundado por sentimentos de rancor e mágoa, colecionou posições políticas nesse segundo turno que fizeram corar de vergonha até os seus maiores defensores.
Ciro mostrou não estar preparado para o papel nacional que tanto sonhou ter. A sua covardia em se refugiar no exterior enquanto todos os progressistas lutavam independentemente de posições partidárias já havia deixado claro que uma vez não seguindo na disputa, apostou no pior para se autopromover.
Se alguém, com toda boa fé, ainda duvidava dessa terrível constatação, a sua declaração de que se manteria isento por “razões práticas”, horas antes de iniciarem as votações, mostrou que uma velha mania adquirida nos seus tempos de PSDB ainda continua bastante presente.
Ciro se apequenou de maneira tal que até Marina Silva hoje o olha de cima para baixo.
O velho camaleão do Nordeste apostou todas as suas fichas na vitória de Bolsonaro e no seu consequente ressurgimento heroico em 2022.
Venceu na parte mesquinha de seu projeto.
Porém, aconteça o que acontecer, na parte que diz respeito ao seu retorno redentor, já se mostra como o maior perdedor de todos.