Por Leonardo Sakamoto
Lagos que deram lugar a poças de lama, desertos de areia ocupando lugar de rios, igarapés que parecem estradas de terra e comunidades com fome. As imagens da pior seca em décadas na Amazônia somam-se às das tragédias em municípios do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, varridos pelas águas, para mostrar ao Brasil um vislumbre de seu futuro com as mudanças climáticas.
Ribeirinhos andando quilômetros em busca de água potável, lavouras inteiras perdidas e hidrelétricas desligando turbinas na região Norte, cenas mais comuns ao Semiárido, servem como um recado que, infelizmente, ainda não será ouvido pelos tomadores de decisão.
Muitos vão culpar apenas o El Niño, tentando encobrir que a frequência e a intensidade dos eventos extremos mudou. E que, infelizmente, esse pode ser o nosso novo normal. Alguns fundamentalistas dirão que é o desejo de Deus, terceirando a responsablidade que é nossa como civilização. E há os que vão mudar de assunto porque sabem que toda transição para uma economia de baixo carbono custa caro e não dá voto.
Tivemos o inverso mais quente já registrado na capital paulista e uma seca feroz no interior de São Paulo – vale lembrar que boa parte da umidade que torna possível a agropecuária aqui no estado vem da Amazônia. E se a floresta entrar em colapso, nós podemos ficar parecidos com os desertos do Atacama e da Namíbia.
Nos últimos anos, assistimos a tempestades de areia engolirem cidades, como Campo Grande, rajadas de ventos fortes causarem mortes no rio Paraguai e a água faltar na torneira das cidades e no calado das hidrovias.
As mudanças climáticas em andamento na Terra já são irreversíveis. Nas próximas décadas, teremos milhões de refugiados ambientais por conta da subida no nível dos oceanos e pelos eventos climáticos extremos; fome em grande escala devido à redução e desertificação de áreas de produção e à perda da capacidade pesqueira; aumento na quantidade de pessoas doentes e subnutridas, além de conflitos e guerras em busca de água e de terra para plantar.
Muita gente vai morrer no Brasil e no mundo. E os sobreviventes terão que adaptar sua vida para conviver com um ambiente mais hostil. Para quem tem filhos e netos, e se importa com eles, deve ser angustiante.
Fazer com que pessoas acreditem que tudo está mudando sem que sintam isso na pele é difícil. Por isso, que esses terríveis eventos extremos no Brasil e no mundo precisam ser usados para mobilizar por mudanças.
O que inclui, por exemplo, rediscutir o futuro da indústria do petróleo no Brasil. Todo político não-terraplanista diz que se preocupa com o clima do planeta, mas quantos são os que trazem essa questão à vida real, questionando a abertura de novos campos de exploração na costa do Amapá?
E na hora de destinar recursos para desenvolver tecnologias mais baratas a fim de sequestrar carbono da atmosfera ou para reduzir fortemente impostos para deixar carros elétricos economicamente mais atrativos que os movidos à gasolina e diesel, muitos vêm com um grande “veja bem”.
O mundo tentava manter o aumento da temperatura global em 1,5 graus Celsius até 2100, o que deve ser praticamente impossível dada a nossa incompetência. Podemos chegar a 3, 4 ou 5 graus a mais.
A questão não é mais “evitar” mudanças climáticas e sim “reduzir a tragédia que já começou”. O mundo não precisa entender apenas que está no fundo poço, mas que, neste fundo, há um alçapão. Estamos em uma nova era de extinção em massa de espécies.
Não acreditem em que diz que as mudanças climáticas vão impactar a todos por igual. Os ricos, como sempre, comprarão sua segurança de alguma forma. Os pobres é que serão dragados pela água ou vão morrer de sede à beira de antigos rios. Como já está acontecendo hoje.
Temos pouco tempo. Ao longo de nossa história, é quando andamos pela beira do abismo que estivemos mais abertos para olhar o futuro e desejar que o sofrimento igual nunca mais se repita. Pois bem, estamos pendurados na beira do abismo. O que vamos fazer? Tic tac, tic tac, tic tac.
Publicado no Uol