Com bandeira da anistia, extrema-direita se posiciona uma conjuntura à frente. Por Jeferson Miola

Atualizado em 27 de fevereiro de 2024 às 18:09
Charge: Nando Motta

O ato na avenida Paulista organizou a estratégia de luta da extrema-direita para o período imediato, que tem no horizonte as condenações e prisões do Bolsonaro, de alguns dos generais e oficiais implicados, e outras lideranças do golpe.

Com a bandeira da anistia, a extrema-direita se posiciona, portanto, uma conjuntura à frente, inclusive devendo politizar a eleição municipal com este debate.

Dada a robustez das provas incriminadoras, a intelligentsia bolsonarista sabe que, a essa altura dos acontecimentos, a prisão da liderança golpista é apenas uma questão de tempo; de quando vai acontecer.

Portanto, é plausível se considerar que Bolsonaro não discursou na Paulista para se defender do indefensável ou para reverter o irreversível, mas com o objetivo de armar a extrema-direita para essa nova conjuntura que se avizinha, pós-prisões.

Neste sentido, a proposta de anistia não tem o objetivo imediatista de constranger o STF a suspender os julgamentos e condenações em andamento, inclusive a dele próprio, Bolsonaro, e de alguns oficiais graúdos, mas funciona como palavra de ordem para articular, mobilizar e colocar em movimento a extrema-direita na próxima conjuntura.

Com uma retórica cínica, Bolsonaro inverte os papéis e responsabiliza o governo e o STF pela inviabilização do entendimento nacional e da pacificação do país devido às condenações que ele e os bolsonaristas delirantemente consideram injustas e ilegítimas.

Há quem tenha enxergado desespero e covardia do Bolsonaro, que teria recuado para evitar mais complicações com a polícia e a justiça. Não parece, no entanto, ser este o caso.

A moderação do discurso não teve só o objetivo de evitar a autoincriminação. Parece ter sido estratégia para produzir a narrativa cândida e sóbria de um inocente que é perseguido pelo sistema e está sendo injustamente punido.

O general-senador Hamilton Mourão, “líder do Alto Comando do Exército no Senado”, é autor de projeto de outubro de 2023 que anistia todos que “tenham sido ou venham a ser acusados ou condenados” pelos crimes tipificados nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal – tentativas de abolição do Estado de Direito e de deposição de governo legitimamente constituído [grifo meu].

A iniciativa tem potencial de agitar o clima político, catalisar a mobilização do extremismo e amplificar a polarização social. Quase um milhão de pessoas já se manifestaram a favor ou contra o Projeto de Lei no site do Senado em poucas horas.

Como a medida beneficiaria políticos, parlamentares, empresários, funcionários públicos, comunicadores, policiais, populares e, obviamente, os militares, o Congresso sofrerá uma pressão poderosa.

Pressionadas pelas fileiras e por delinquentes fardados da alta hierarquia, as cúpulas militares farão um lobby pesado, com fortes ameaças e pressões sobre deputados e senadores.

A aprovação da anistia pela maioria de direita e extrema-direita do Congresso é uma hipótese realista. As chances de isso acontecer são ainda maiores na Câmara, fator que aumentará o preço a ser pago pelo governo Lula pelas chantagens e achaques do Arthur Lira.

Qual o cenário do Brasil no caso de aprovação da anistia pelo Congresso? E na eventualidade de o STF declarar sua inconstitucionalidade? É imponderável, mas não se pode descartar um ambiente de caos, de conflitos políticos e institucionais e recrudescimento das ameaças militares diante da impunidade.

A militância extremista se sentirá ainda mais empoderada e autorizada a continuar esgarçando o Estado de Direito com padrão crescente de violência política.

Essa militância, que na quase totalidade acredita que o TSE fraudou a eleição para eleger Lula [88%], e entende que há uma ditadura do STF no Brasil [94%], considerará que os atos terroristas em Brasília em dezembro de 2022 e os atentados de 8 de janeiro de 2023 foram não só legítimos, como também legais, porque praticados em reação à eleição “roubada”..

As organizações sociais, partidárias, os movimentos do campo democrático, os setores liberais comprometidos com a democracia, a esquerda e o progressismo precisam urgentemente se unir e acumular forças para construir uma potente reação democrática a esta ofensiva da ultradireita e dos fascistas.

Publicado originalmente no blog do autor

Siga nossa nova conta no X, clique neste link

Participe de nosso canal no WhatsApp, clique neste link

Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link