Publicado originalmente na Rede Brasil Atual:
Crises como a desencadeada pelos ataques supostamente dos houthis do Iêmen contra refinarias de petróleo da Arábia Saudita mostram a importância de ter uma petroleira estatal forte para enfrentar as dificuldades impostas pelo cenário internacional. Frente ao corte de produção do país e à alta de 13% do petróleo no mercado internacional, a estatal brasileira anunciou que não altera os preços por enquanto, uma medida que seria difícil com a empresa privatizada.
Na opinião do professor William Nozaki, da Fundação Escola de Sociologia e política de São Paulo (FespSP), manter em atuação uma empresa integrada no setor de petróleo e gás é essencial, “tanto do ponto de vista macroeconômico, para a garantia do investimento, crescimento e geração de emprego, quanto do ponto de vista estratégico, para se assegurar a segurança energética, o abastecimento interno, a distribuição de combustíveis e derivados nacionalmente”.
Para ele, a proposta do atual governo (e do anterior) é transformar a Petrobras em uma pequena empresa de exploração e produção de petróleo, que não atua nos elos mais sofisticados da cadeia. “Abre mão na petroquímica, no gás, no refino, na distribuição, nos fertilizantes. A própria empresa poderia ter mais lucratividade a partir das oportunidades abertas com o pré-sal.”
No final de julho, a Petrobras vendeu 30% de suas ações da gigante BR Distribuidora. Assim, controlada majoritariamente por capital privado, a BR deixou de ser controlada pela Petrobras.
Também nesta terça-feira, o secretário de Relações Internacionais da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antonio de Moraes, falou em entrevista à rádio Brasil de Fato, que por ser estatal, a refinaria brasileira pode segurar o aumento do preço do petróleo, mesmo com a alta de 13% nas cotações internacionais. “A empresa estatal pode planejar essa fonte e administrar segundo a necessidade do povo brasileiro”, diz.
Ganhos aos acionistas
Um dos grandes problemas da Petrobras desde o governo de Michel Temer é uma política estratégica de priorizar o ganho dos acionistas e minimizar as preocupações sobre como a variação vai impactar o consumidor. Mas, com a política da Petrobras de maximizar o ganho dos acionistas, desde a gestão de Pedro Parente com Temer, “em algum momento esse aumento vai ter que ser repassado para a bomba de gasolina”, diz o cientista político.
“Isso tem dois efeitos colaterais importantes. Um, político, porque vai colocar provavelmente o governo diante de pressões dos caminhoneiros outra vez. E outro, econômico, que é o encarecimento dos produtos industrializados no Brasil.” O raciocínio tem uma lógica clara. “A expansão do preço de um insumo básico (o petróleo), que tem um efeito em cadeia no sistema produtivo, vai rebater no preço final ao consumidor.”
Com a crise no Oriente Médio esta semana, o preço do barril (Brent) subiu 20%, e chegou a U$ 72. Nesta terça-feira (17), a cotação já havia caído a US$ 64,63.
O tipo de política adotada no Brasil pelos dois últimos governos é claramente prejudicial ao consumidor. “Sempre quando o barril sobe há tendência de repassar o reajuste ao consumidor final, mas nem sempre, quando há uma baixa, o preço cai na bomba na mesma proporção”, comenta Nozaki.
O analista lembra que Petrobras, sob Pedro Parente, reorganizou a política de preços atrelando-os à variação do barril de petróleo no mercado de commodities. A periodicidade de reajustes passou a ser praticamente diária. Depois, a mudança de preços passou a ser quinzenal, e ainda depois, mensal. Em junho de 2019, já com Bolsonaro, o governo mantém uma periodicidade variável no repasse do preço do petróleo pros combustíveis.
“Mesmo esses governos ultraneoliberais tentaram variação diária, depois quinzenal e mensal, mas recuaram para fazer uma gestão que impedisse que o mercado interno fosse excessivamente impactado por essas mudanças no preço por questões geopolíticas”, observa o professor da FespSP.
A partir de junho, a Petrobras passou a definir qual o momento adequado para o repasse, “de acordo com o ambiente externo”, segundo a empresa disse à época. “Houve um recuo das gestões em promover essa flutuação diária porque se mostrou impraticável. Não dá para planejar um processo logístico com clareza.”