POR MIGUEL ENRIQUEZ
Salvador, outubro de 2006.
A van estaciona no Centro de Convenções Bahia enquanto militantes uniformizados fazem barulho distribuindo santinhos e colando praguinhas em quem chega para prestigiar.
Do utilitário descem ACM Neto, então deputado federal, mais meia duzia de líderes locais e a estrela do dia: Geraldo Alckmin, candidato do PSDB e que dali a alguns dias iria disputar o segundo turno da eleição presidencial contra Lula.
No auditório lotado, o público dança animado ao som de Dominguinhos, num xote sob medida para embalar os correligionários.
“O brasileiro gosta tanto da verdade / E a verdade está aí pra quem quer ver / Mude o caminho, conserte o pais da gente / Resgate os sonhos e deixe o Brasil crescer / Aperte a mão do Geraldo, minha gente, e conheça um brasileiro de valor / Um cara inteligente e no coração ele é um vencedor / Quem conhece sabe que ele vale mais / Quem acreditou, nunca se enganou / Então pense direito, o Brasil tem jeito, é Geraldo sim senhor / Por um Brasil honesto e competente, Geraldo presidente”.
ACM Neto caprichou no discurso, garantindo que a Bahia não iria fugir da responsabilidade de legar ao Brasil um futuro melhor, com Geraldo na presidência.
A empolgação do jovem líder terminaria minutos após o candidato discursar. Com seus colegas, despediu-se de Alckmin ainda no palco e seguiu para outros comprmissos.
O tucano teve paciência para cumprimentar e posar para fotos com os poucos eleitores que se aproximaram e, sozinho, segurando a própria valise, seguiu para o aeroporto.
Dias após ser derrotado por Lula de forma surpreendente – diminuiu sua votação no segundo turno em relação ao primeiro -, Alckmin comentaria, sincero.
– O único apoio de verdade que tive nesta eleição foi da minha filha Sophia.
De fato Sophia foi presença ativa ao lado do pai nas andanças pelo Brasil. Mas o que chamou a atenção mesmo não foi a participação dela nas viagens, e sim o descaso com que Alckmin era recebido nos Estados.
Exemplos para justificar não faltam – e podem ser decisivos para entender os motivos que levam o candidato do PSDB a não alcançar dois dígitos sequer nas pesquisas de intenção de votos para 2018.
Alckmin é um líder fortemente identificado com São Paulo, daquele tipo que tira as noites de folga para ligar pessoalmente para prefeitos do interior informando a autorização de recursos para a compra da ambulância ou a reforma do pronto-socorro.
Gosta de pegar o carro e ir de cidade em cidade, surpreendendo correligionários. Toma café no boteco, conta as piadas de sempre e com isso vai cativando e mantendo o seu eleitorado.
Só que, em nível nacional, a coisa não funciona bem assim.
Para se ter ideia do jogo pesado que rola nos Estados, fiquemos com dois (Ceará e Pernambuco): no primeiro, em 2010, no apogeu da sua popularidade, Lula se lançou pessoalmente na campanha para tirar o mandado de senador de Tasso Jareissati, do PSDB – Tasso, que tinha 16 anos de senado nas costas, jamais perdoou o ex-presidente.
Em Pernambuco, Roberto Freire teve de se mudar para São Paulo para seguir na vida pública após ser liquidado politicamente pelos adversários.
Em estados assim, digamos, menores, o que os representantes locais esperam das lideranças de envergadura nacional é que elas imponham força política para resguardar os espaços dos correligionários. Tudo aquilo que Alckmin não é capaz de fazer – por temperamento, acredita na política de boa vizinhança, sem conflitos, e especialmente se omite quando chamado a fazer a defesa de terceiros.
Num pais de dimensões continentais como o Brasil, com toda sua diversidade, um candidato à presidência precisa mais do que ser alguém bonzinho e que gosta de circular no comércio e tomar cafezinho com gente do povo.
É preciso ter pegada. Os líderes locais esperam isso. E, na impossibilidade de cobrar, fazem como ACM Neto e sua trupe em Salvador: fingem que apoiam, armam um bom circo, fazem discursos inflamados e não demoram para inventar compromissos justificando a saída à francesa.
Até onde se sabe, Alckmin não mudou o seu temperamento. Tanto que João Dória, percebendo a fragilidade, partiu pra cima com tudo e só não atropelou o mentor porque rodou na primeira curva, vítima da sua própria inexperiência.
Por osmose, jogando parado como se convencionou dizer sobre ele, Alckmin viu a vaga do PSDB cair-lhe no colo.
Vai tentar a presidência pela segunda vez, e agora o cenário não chega a ser melhor: com um partido em frangalhos, adversários fortes à frente, já engoliu o primeiro sapo: o tradicional parceiro DEM nem se deu ao trabalho de justificar a ausência na Convenção que homologou seu nome como presidente nacional do partido neste fim de semana.
Se nem da convenção o DEM participou, joga exageramente com a sorte quem aposta que a acolhida do candidato ano que vem será muito diferente daquela que ele teve em Salvador 11 anos atrás.
Voando de carreira, com a pastinha na mão, feito caixeiro viajante, tendo a filha ou um aspone qualquer a tiracolo, Alckmin não deve ir longe, não. Salvador, outubro de 2006, é logo ali. ACM Neto que o diga.