O melhor programa de jornalismo na tevê que vi este ano foi um da BBC que relatou, em duas partes, a ascensão da China e a decadência do Ocidente.
É uma pena que a televisão brasileira seja incapaz de fazer coisas do gênero.
Um jornalista da BBC foi a várias partes do mundo para fazer o documento. O primeiro destino foi, claro, a China. Ele ressaltou a importância – já familiar aos leitores do Diário – do líder Deng Xiaoping na ascensão chinesa. Em 1979, Deng abriu a economia do país, então quase completamente estatizada. Os chineses puderam montar negócios.
Dez anos depois, os movimentos de protesto mostraram a Deng que o processo de abertura tinha que ser não abortado – mas acelerado. Foi quando ele fez uma histórica viagem pelo país para pregar aos chineses que pensassem diferente, que ousassem, que buscassem idéias novas.
Um empresário chinês ouvido pela BBC se definiu como filho da peregrinação de Deng. “Eu ouvi e acreditei”, disse. Ele tinha, na ocasião, cerca de 20 anos. Era exatamente o público que Deng queria atingir, jovens dispostos a experimentar.
Base sólida já havia. O confucionismo — a doutrina de Confúcio, filósofo de 2500 anos atrás, baseada na educação para os moços, lealdade para os amigos e cuidados para os velhos – é um traço chinês que confere ao país uma grande vantagem competitiva sobre o resto do mundo.
E então a China começou a decolar.
Enquanto isso, o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, fazia o caminho inverso. Foi se desindustrializando. As indústrias ocidentais foram se mudando para países como a China e a Índia. Os bancos adquiriram uma importância desmedida – e perigosíssima. A sociedade foi estimulada a consumir, consumir e ainda consumir, com base em créditos que os bancos concediam com rigor zero.
Os executivos financeiros passaram a ganhar fortunas em bônus, mas os alicerces dos bancos foram se tornando mais e mais vulneráveis. Controles virtualmente já não havia: a palavra de ordem era desregulamentar a economia. Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margaret Thatcher, na Inglaterra, comandaram um processo de desregulamentação que rapidamente se globalizou. Era chique desregulamentar nos anos 1980.
E então, num determinado momento da década de 2000, o dique se rompeu. Os créditos imobiliários americanos estavam podres. As pessoas para as quais foram empurrados irresponsavelmente créditos para comprar casas começaram a ter dificuldade em pagar suas obrigações financeiras. Foi um dominó que vergou muitos dos maiores bancos ocidentais – socorridos com dinheiro do contribuinte. As grandes economias do Ocidente até aqui não se recuperaram – e andaram para trás enquanto a China corria para a frente. (Em menor medida, também o Brasil e a Índia avançaram.)
Um momento particularmente revelador do programa da BBC é quando o repórter entrevista na rua aleatoriamente chineses e depois inglesas. A pergunta é a mesma: “Quanto do seu salário você economiza?” Os chineses respondem com porcentagens que vão de 30% a 50%. Querem garantir a educação dos filhos e uma boa situação na aposentadoria. Os ingleses respondem em geral com um zero. Não apenas não guardam nada como, por causa do crédito fácil, carregam dívidas que tornam ameaçador seu futuro.
Tudo isso tinha que dar no que deu. O Ocidente de joelhos e uma potência a caminho da liderança mundial, a China de um certo Deng Xiaoping que pregou a seus concidadãos a única receita conhecida de sucesso: pensar diferente.