Por Claudia Wallin, autora de Um País sem excelências e mordomias.
DE ESTOCOLMO
”Pesquisas eleitorais são problemáticas por natureza”, constata o cientista político sueco Olof Petersson, ”porque são o que são: estimativas, meras aproximações e amostras do que calcula-se que seja a verdade”.
Pesquisas são também perigosas, observa o Ombudsman da Imprensa sueca, Ola Sigvardsson: ”Porque podem mudar o resultado de uma eleição”.
Regular ou não regular as pesquisas eleitorais, eis a questão. A dúvida atormenta estudiosos e alvoroça palpiteiros desde os primeiros dramas pós-1824, quando foi publicada nos Estados Unidos a primeira primeira pesquisa de intenção de votos da história.
Um dos fiascos ancestrais ocorreu em 1948, quando os três maiores institutos de pesquisa americanos previram a vitória de Thomas Dewey nas eleições presidenciais – quem levou a faixa, como se sabe, foi Harry Truman.
Mas para a Suécia e seus vizinhos escandinavos, a resposta ao dilema da regulamentação é um claro não: ”Não se pode restringir a publicação de pesquisas em uma sociedade democrática”, declara o Ombudsman da Imprensa.
A solução não está nas leis, dizem os suecos – e sim na auto-regulação responsável de uma mídia consequente. Uma teoria elegante, que na prática seria imprestável se confrontada com a ausência de uma imprensa livre e independente.
”Há dois fatores a se considerar: a margem de erro das pesquisas, e possíveis tentativas de manipulação das sondagens por parte de grupos de interesse. Em qualquer cenário, a auto-regulamentação funciona. Mas para isso, é imprescindível que você tenha uma mídia verdadeiramente independente e responsável”, diz o cientista político Olof Petersson, ex-professor da Universidade de Uppsala e autor de diversos estudos sobre o tema.
“Se algum jornal ou canal de TV tentasse manipular uma pesquisa na Suécia e apresentar resultados suspeitos, por exemplo, outras mídias questionariam. E seria um escândalo insustentável”, complementa o Ombudsman da Imprensa, que compõe o sistema sueco de supervisão independente da mídia.
O espaço inviolável da cabine de votação é certamente invadido mil vezes, ao redor do mundo, pelo poder de influência das pesquisas.
São várias as teorias acadêmicas formuladas: segundo o chamado efeito bandwagon, o popular maria-vai-com-as-outras, muitos eleitores votam no candidato que – segundo as pesquisas – parece que vai ganhar. Já a teoria do underdog aponta para a predisposição de alguns eleitores de se identificar com o candidato que parece que vai perder. E no caso de eleições polarizadas – segundo as pesquisas – entre dois candidatos, a fórmula do voto útil entra em cena: o eleitor deixa de votar num terceiro candidato, para não ”perder” o voto.
É um poder significativo o das sondagens, diante do espectro que ronda qualquer pesquisa: o erro.
”Há óbvios problemas metodológicos em todas as pesquisas, apesar de as sondagens serem um elemento importante do debate político”, aponta Olof Petersson.
Nenhum instituto de pesquisa sueco previu, nas eleições gerais de setembro deste ano, o avanço avassalador da extrema-direita: inacreditáveis 13% dos votos foram para o partido Democratas da Suécia (Sverigedemokraterna), que com sua agenda antiimigração tornou-se assim a terceira maior força política do país.
”Mas o perigo maior vem do uso que se faz do resultado das pesquisas na mídia”, aponta o Ombudsman da Imprensa. ”Não se pode afirmar com base em uma pesquisa, por exemplo, que o resultado reflete a forma como o eleitorado vai votar. Porque as sondagens estão sujeitas a falhas, e ainda assim podem alterar o resultado de uma eleição”.
Mensurar a opinião pública pode mudar a opinião pública: com este argumento, vários países optaram pela regulamentação das radiografias de intenção de voto.
Uma das mais restritivas regulamentações de pesquisas eleitorais já introduzidas em uma democracia foi estabelecida na França, em 1977. A lei declarou ilegal a publicação de pesquisas eleitorais no período de uma semana antes das eleições.
Mas foi uma legislação de vida curta e eficácia zero. Inicialmente, a circulação dos resultados das pesquisas ficou restrita aos meios políticos. Em seguida, as pesquisas eleitorais francesas começaram a ser divulgadas na imprensa estrangeira – como, por exemplo, em jornais britânicos.
”E hoje em dia, com a internet, seria impossível conter a divulgação dos dados”, observa o cientista político Olof Petersson.
O embargo francês acabou sendo derrubado em 2002, e a tendência européia indica um padrão predominante entre os países da União: proibir a divulgação de pesquisas eleitorais apenas no dia das eleições, ou no máximo 24 horas antes do pleito. Na Itália, porém, vigora a proibição de publicar sondagens nos 15 dias anteriores às eleições.
O Conselho Europeu, que define as orientações gerais da União Européia, chegou a discutir a necessidade de harmonizar as leis nacionais referentes a pesquisas eleitorais, mas a idéia nunca foi adiante. O Conselho optou por emitir, em 1999, uma recomendação genérica a respeito da divulgação de pesquisas eleitorais pela mídia.
Em linhas gerais, a recomendação estabelece que a mídia deve, ao publicar uma pesquisa eleitoral, fornecer informação suficiente para que o público possa julgar o valor da sondagem. A saber, conforme a prática corrente: indicar a metodologia empregada, a organização que encomendou e pagou pela pesquisa, o período exato em que foi conduzida a sondagem, e a margem de erro.
Para deleite dos institutos de pesquisa, o texto do Conselho Europeu acrescenta: qualquer restrição dos estados-membros da União Européia à publicação de sondagens eleitorais antes de uma eleição deve levar em consideração o artigo 10 da Convenção Européia de Direitos Humanos: ”Todos têm direito à liberdade de expressão”.
Na Grã-Bretanha, no entanto, a ausência de regulação tem sido compensada por um compromisso de parte da mídia com a auto-regulamentação e a imparcialidade.
A BBC, por exemplo, adotou normas internas para reportar resultados de pesquisas eleitorais, na sequência de um fiasco em que praticamente todas as sondagens de intenção de votos erraram a previsão dos resultados das eleições gerais de 1992.
Uma amostragem das regras da BBC inclui:
. Não abrir nenhum boletim de notícias com os resultados de uma pesquisa eleitoral.
. Evitar estampar os resultados de uma pesquisa eleitoral em uma manchete.
. Não confiar na interpretação dada a uma pesquisa eleitoral pela publicação ou organização que encomendou a sondagem.
Já a mídia sueca abriu mão da prática de silenciar, nos dias anteriores à fala das urnas, a discussão sobre as teorias matemáticas da probabilidade em torno dos candidatos.
”Até cerca de dois anos atrás, existia uma espécie de acordo silencioso entre os veículos da mídia para não publicar nenhuma pesquisa na semana anterior às eleições. Mas atualmente, essa restrição só vale para o dia da eleição, ou em geral para o dia anterior ao pleito”, diz Göran Eriksson, comentarista político do jornal Svenska Dagbladet.
Para o Ombudsman da Imprensa, a sociedade teria mais a perder restringindo a liberdade de divulgação das pesquisas, do que proibindo.
”Não conheço em detalhe a realidade do Brasil. Mas na Suécia, o ponto é esse: temos uma imprensa muito, muito livre”, sublinha Ola Sigvardsson.
Para prevenir tapeações e armadilhas, o cientista político Olof Petersson destaca dois fatores: a importância da diversidade de sondagens veiculadas pela mídia, e o compromisso dos institutos de pesquisa em relação aos padrões que regem o setor.
”Institutos de pesquisa sérios devem ser membros de instituições sérias, como por exemplo a World Association for Public Opinion Research (Associação Mundial de Pesquisas de Opinião Pública – WAPOR), e seguir rigorosamente seus padrões. Caso contrário, não devem ser levados a sério. Ponto.”
Na Valmyndigheten (Autoridade Eleitoral sueca), os suecos continuam a não registrar qualquer suspeita sobre manipulações de resultados de pesquisas.
”Nunca vi um escândalo desse tipo”, diz Hans Leijsäter, analista da Valmyndigheten.