Esta é mais uma reportagem da série do DCM dedicada a investigar o papel da Sabesp e de seu controlador, o governo do estado de São Paulo, na crise da falta de água. As demais matérias estão aqui. Fique ligado.
O condomínio São Paulo Head Offices está localizado na Rua Joaquim Floriano, número 72, no bairro do Itaim, um dos mais nobres da cidade. Reúne algumas firmas reconhecidas, como Promon e Ernst & Young.
Em 17 de março de 2015, a conta de água do lugar foi de R$ 12.603,89. Eles gastaram 1329 metros cúbicos. O valor correto seria de R$ 36 mil, mais ou menos. Ou seja, o edifício comercial deixou de pagar R$ 24 mil e é assim todo mês há vários anos. O desconto existe desde 2003. Qual é o motivo para contas tão baixas?
É um problema jurídico gerado por leniência da fornecedora de água, a Sabesp.
As contas vêm sendo reduzidas graças a liminares concedidas com base num decreto do governo estadual de 1983, reformado por outro de 1996. De acordo com dois ex-diretores ouvidos pelo DCM, essas decisões judiciais já deveriam ter sido cassadas há quase 20 anos. Por determinação da Justiça, tais reduções deveriam cessar em 1996.
O decreto nº 21.123 de 4 de agosto de 83, autorizado pelo governador André Franco Montoro, diferencia as tarifas entre imóveis residenciais, industriais, públicas e comerciais, mas sem atrelar formas específicas de cobrança e comunicando o proprietário até 10 dias antes. A norma nunca foi cumprida pela Sabesp com regularidade, gerando milhares de ações jurídicas contra a companhia.
Um segundo decreto foi divulgado em 16 de dezembro de 1996 no Diário Oficial. O documento 41446 repete os princípios da determinação de 1983, mas no governo do tucano Mario Covas, diferenciando o consumo de água apenas dentro das faixas de consumo em metros cúbicos.
Como o Head Offices, vários prédios comerciais entraram com processo na justiça e conseguiram altos descontos entre 1984 e 1996, que continuam valendo até hoje por causa de liminares.
Essa falta de monitoramento gera perdas milionárias. Dependendo do consumo de água, especialmente em regiões com prédios comerciais mais altos ou que desperdiçam grandes volumes de metros cúbicos, mais de R$ 100 milhões se esvaem.
O problema também ocorre por falhas técnicas e uma gestão errática. Em plena crise, a companhia anunciou que dará mais de 500 mil reais de bônus a seus executivos, enquanto estuda um reajuste de 22,7% na tarifa.
“Um prédio comercial que consome 3000 metros cúbicos de água, por exemplo, deveria pagar por volta de R$ 80 mil por mês. O que acontece é que várias contas de edifícios comerciais vêm com valor errado por falha em seu sistema de medição ou no acompanhamento jurídico de seus processos”, disse ao DCM um ex-diretor. Esse valor pode girar em torno de R$ 200 milhões anualmente.
A Sabesp estabeleceu que quem consumir até 20% a mais de sua média entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 pagará uma sobretaxa de 40%. Se o montante ultrapassar 20%, a multa sobe para 100%.
“Multar o cliente agora, sendo residência ou edifício comercial e segundo parâmetros de 2013 não vai trazer a redução necessária de água. O ideal seria elevar a tarifa de água e estimular a economia do consumo como um todo. Pelo critério divulgado pela Sabesp, se eu tinha um edifício em construção há dois anos, eu posso ser multado hoje em 100% todos os meses porque os metros cúbicos de um prédio em funcionamento sempre vão superar o de uma obra”, afirma um outro executivo da Sabesp ouvido pelo DCM.
A empresa afirma que seus clientes podem contestar as multas que forem aplicadas através do site oficial. Inicialmente, a Sabesp divulgou que estudava aplicar uma taxa entre 20% e 50%, bem distante do patamar de 100%. Em março, a Câmara Municipal, incluindo vereadores que fazem parte da CPI da Sabesp, aprovaram uma multa de R$ 250 para quem lavar a calçada com água tratada, e mais R$ 500 para reincidentes na irregularidade.
Num documento a que tivemos acesso, um condomínio comercial que consome cerca de 2000 metros cúbicos de água teve uma conta de R$ 60 mil, no mês seguinte teve a sua conta zerada e, no terceiro mês, teve uma cobrança de R$ 46 mil. Outro edifício que consome cerca de 2000 m³ pagou R$ 58 mil em um mês, nada no mês seguinte e R$ 36 mil no terceiro.