Como a tecnologia está criando gerações de workaholics

Atualizado em 3 de março de 2016 às 9:42

workaholics

Publicado na DW.

 

Se sai mais cedo do trabalho ou desliga o celular, Rachel sente como se estivesse traindo o amor da sua vida. Seu primeiro emprego foi aos 11 anos, reabastecendo prateleiras de um supermercado aos sábados – mas não para complementar a renda da família, e sim porque o pai queria lhe ensinar “o valor do dinheiro”.

Hoje com 26 anos, Rachel ainda surpreende muitos de seus colegas e chefes ao revelar sua idade. A rica experiência no varejo, a confiança para gerenciar grandes equipes e a facilidade de alcançar metas indicam uma carreira muito mais longa.

“Eu sempre tentarei melhorar. Serei a primeira a chegar e a última a sair. Estou sob constante pressão, há sempre um objetivo a alcançar”, detalha a jovem, que mora na cidade de Reading, na Inglaterra.

Pesquisas dos EUA indicam que cerca de 40% dos trabalhadores sofrem de estresse e outras doenças relacionadas ao trabalho. E uma maior mobilidade para trabalhar nos dias de hoje – por meio de computadores em casa ou mesmo de celulares modernos – tem aumentado a demanda por serviço. E, assim, cada vez mais pessoas se tornam workaholics, ou seja, viciadas em trabalho.

Segundo Louise Hartley, psicóloga da Universidade de York, no Canadá, o trabalho excessivo pode prejudicar os funcionários não só psicologicamente, mas também fisicamente.

“Nossos corpos não têm mais condição de se livrar do cortisol que produzem quando estão sob estresse”, explica a especialista, referindo-se ao hormônio que tem como função regular a pressão arterial e fornecer energia. Em excesso, o cortisol pode enfraquecer o sistema imunológico, destruir músculos e ossos e causar doenças cardíacas.

David Ballard, da Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês), também alerta para os perigos do estresse constante. “O estresse crônico pode contribuir para o desenvolvimento de doenças graves, como depressão e obesidade”, diz o psicólogo. “Além disso, muitos respondem ao estresse de uma forma que prejudica ainda mais a saúde – comendo demais, fumando ou dormindo pouco, por exemplo.”

“Empresas tiram proveito da ambição”

Rachel, cuja carga horária de trabalho é oficialmente de 37,5 horas por semana, está acessível 24 horas por dia através de seu smartphone. Dessa forma, acaba dedicando cerca de 60 horas semanais ao serviço. Sem contar o tempo que leva checando os e-mails – minuto a minuto, desde a hora que acorda até voltar a dormir.

Parece um exagero, mas o número não fica tão acima da média nacional do Reino Unido. Segundo dados oficiais, empregados de período integral trabalham em média 42,7 horas por semana no país – maior que a média da União Europeia, de 41,6 horas semanais.

“As empresas exigem que você trabalhe pesado, muito pesado. Elas se aproveitam das necessidades das pessoas, de suas capacidades e ambições. Criam esses grandes cargos e empregos que parecem incríveis vistos de fora, mas há sempre uma ilusão escondida”, desabafa Rachel.

Leis antiestresse

Preocupadas com seus funcionários, algumas companhias estão mudando suas prioridades. Em 2014, a fabricante de automóveis Daimler deu aval para que seus mais de 100 mil empregados apaguem os e-mails recebidos durante as férias. Já a Volkswagen, em 2011, desligou seus servidores para impedir que os funcionários enviem e-mails após o horário de trabalho.

Alguns governos europeus também têm se dedicado a acabar com a cultura de levar trabalho para casa. Leis na Áustria, Dinamarca e Holanda já exigem que as empresas e seus funcionários sejam avaliados por um psicólogo externo a respeito de fatores que podem causar estresse – como ser incomodado fora do horário de serviço, por exemplo.

Mesmo que a intenção seja boa, Ballard alerta contra tais medidas. “Desligar o e-mail ou impedir o acesso fora do horário normal de trabalho pode causar mais estresse, uma vez que reduz a flexibilidade dos empregados de decidir como, quando e onde eles trabalharão.”

Em vez de leis, o psicólogo recomenda que as empresas estimulem o funcionário a aproveitar a tecnologia e a informação de uma maneira mais saudável, além de ajudá-lo a criar limites que estejam adaptados às suas agendas e demandas específicas.

Mais trabalho, menos eficiência

Recentemente, uma pesquisa realizada na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, afirmou que reduzir as horas de trabalho pode, de fato, aumentar a produtividade e o rendimento dos funcionários.

Para Hartley, são os próprios empregados que precisam definir seus limites pessoais. “Se o chefe chega com mais serviço, nunca pensamos em dizer que ‘isso é tudo que consigo fazer’. Temos a responsabilidade de tentar negociar nosso volume de trabalho”, diz a psicóloga.

Rachel diz que atingiu o limite de suas capacidades. “Qual é o prêmio pela minha ambição? Cheguei a um ponto em que não me preocupo mais em ganhar muito dinheiro ou melhorar minha carreira. Eu quero apenas me sentir melhor”, afirma.

No ano passado, a jovem de 26 anos foi diagnosticada com câncer de mama. Todos os dias ela precisa lembrar que, apesar de valorizar seu emprego, tem de cuidar de si mesma agora. Caso contrário, corre o risco de nunca mais fazer o que ama.