Publicado na DW.
O número de fãs de produções como Homeland, Breaking Bad e House of Cards mostra que suspenses ou dramas que se arrastam por diversas temporadas aos poucos estão substituindo na preferência do telespectador aquelas longas e arrastadas novelas ou aqueles seriados com risadas ao fundo.
Hollywood está atenta a essa tendência televisiva – e ficando nervosa. E por um bom motivo: o professor de química Walter White, a primeira-dama Claire Underwood e a agente da CIA Carrie Mathison se tornaram companheiros próximos do telespectador, numa relação de amor e ódio.
Ao contrário dos filmes, que normalmente só oferecem entre 90 e 120 minutos para a construção de um relacionamento com os principais personagens da narrativa, as séries permitem que o público os acompanhe por um período prolongado – abrangendo meses, até anos.
Os personagens das séries se tornam amigos, parentes, pseudoamantes. Enquanto os filmes são um produto que é desfrutado como parte da vida social, as séries se tornaram a própria vida social – uma versão moderna de entretenimento familiar. E o quanto mais perto chegarmos de um personagem, mais humano – e capaz de transcender barreiras culturais – eles se tornam.
“Tudo começou com Twin Peaks“, diz o escritor Jürgen Müller, autor de um livro sobre as melhores séries de TV dos últimos 25 anos.
Segundo ele, para compreender a mudança nas séries televisivas, é preciso realmente analisar mais afundo a série, vencedora de um Emmy e um Globo de Ouro e que, após apenas duas temporadas no início dos anos 1990, está atualmente celebrando o seu retorno às telas.
“Há cenas em Twin Peaks que foram realmente impressionantes no início do seriado, para dizer o mínimo. E ainda são. Esta foi a primeira vez que uma série foi inteiramente construída sob a premissa de ter personagens vulneráveis no horário nobre da televisão. Isso foi revolucionário na época”, relembra.
Twin Peaks seguiu o peculiar caso do assassinato de Laura Palmer e escancarou as relações complexas numa pequena cidade no noroeste dos Estados Unidos. Foi o primeiro seriado comandado pelo renomado diretor David Lynch, que é particularmente conhecido pelos filmes Veludo azul e O homem elefante.
Famoso por sua abordagem intimista e surrealista para assuntos desagradáveis, Lynch conseguiu transmitir sua assinatura ao formato de séries como Twin Peaks, deixando o público televisivo tentando adivinhar o que era real.
As novas e bem-sucedidas séries tendem a priorizar autenticidade e plausibilidade – o que também significa perder a preocupação em ter um final feliz, ou até mesmo um meio feliz.
“O que se tornou importante agora é criar personagens críveis com desafios realistas. Os protagonistas já não são completamente bons ou completamente maus. O lado obscuro da natureza humana está, portanto, muito mais envolvido nestas novas produções, que evoluíram muito desde o início da década de 90”, diz Müller.
A roteirista Shelly Goldstein concorda com as observações de Müller. Ela, que já trabalhou em inúmeros roteiros na indústria da TV ao longo dos anos, usa o sucesso de crítica e público Os Sopranos como um exemplo de personagens multidimensionais.
“O personagem principal, Tony Soprano, é um monstro, assim como um carinhoso homem de família que está ciente de suas imperfeições. Ele é uma personificação impar do sonho americano. A combinação da atuação complexa de James Gandolfini e o brilhante texto do criador e produtor do show, David Chase, foi abraçada pelo público em todo o mundo”, afirma Goldstein.
“Nota-se uma dinâmica semelhante no personagem Walter White em Breaking Bad, que começa como um professor de química que recebeu uma sentença de morte devido a um câncer. Sua raiva contra sua condição e sua determinação para cuidar e proteger a família, literalmente, transformaram-no num sociopata. Mesmo assim, vemos um coração dentro do monstro”, explica Goldstein.
Müller também aponta Breaking Bad como um dos fatores preponderantes na evolução de séries: “TV de qualidade com apelo universal”, define o especialista. “A série, inclusive, insinua o lado obscuro da condição humana em seu título.”
“Apesar da natureza fictícia da série, torna-se mais fácil se identificar com as narrativas lidadas pelos personagens nestes seriados, mesmo quando eles enfrentam desafios que provavelmente nunca enfrentaríamos. Digo, Walter White está lidando com metanfetamina, o público está lidando com um vício completamente diferente: o fato de não conseguir parar de acompanhar o seriado”, explica Müller.
A qualidade do roteiro faz toda a diferença. Com crescentes oportunidades surgindo para escritores, novas produções e canais de distribuição como Netflix e Amazon – que agora estão lançando suas próprias produções – continuam surgindo o tempo todo.
Müller afirma que todas as séries de TV examinadas em seu livro se destacam por diálogos incríveis e valores de produção ambiciosos que agora se tornaram padrão na indústria. “Séries televisivas merecem ser consideradas no mesmo nível de blockbusters. Foi-se o tempo do entretenimento leve nos moldes de Lassie“, pondera Müller.
Goldstein, entretanto, ressalta que a nova tendência dos seriados não só alterou as expectativas do público, mas também as dos atores. Durante décadas, diz ela, os filmes eram considerados o ápice, enquanto as séries de TV possuíam menor reputação.
“Mas isso também mudou ao longo do tempo. Os atores estão querendo receber papéis em seriados por causa da qualidade e dimensão das histórias e dos personagens encontrados nos melhores programas”, explica Goldstein, acrescentando que sua série favorita é Mad Men.
Outra razão pelo forte apelo de atores buscando conseguir papéis em séries televisivas é o fato de que muitas vezes a escala de trabalho é previsível – algo bastante incomum em outras áreas na indústria do entretenimento. Os prêmios Emmy raramente foram acompanhados com tanta atenção como no último domingo.
“A atração da televisão é potente porque ela comunica com um público infinito com necessidades infinitas”, conclui Goldstein.