E então lá vamos nós a mais um capítulo em nossa série “Conversas com Escritores Mortos”. Montaigne, em seus Ensaios, escreveu sobre como educar crianças, a pedido de uma amiga sua que estava grávida e queria saber como ser uma boa mãe. Boa leitura.
Monsieur de Montaigne, um de seus ensaios mais interessantes faz referência à educação crianças. O que pode nos dizer sobre isso?
Posso resumir para você em algumas palavras: Devemos fazer com que, onde as crianças encontram seu proveito, encontrem também seu prazer. Devemos adoçar os alimentos saudáveis para as crianças e colocar fel nos que lhe são nocivos.
E como podemos fazer isso?
Fortalecendo-lhe a alma.
Só?
Não. Não basta fortalecer a alma, também é preciso endurecer-lhe os músculos. A alma é pressionada demais se não for amparada; e já tem muito a fazer para acudir, sozinha, as duas tarefas.
Endurecer-lhe os músculos? De que forma?
É preciso acostumá-lo ao sofrimento e à dureza dos exercícios, a fim de treiná-lo para o sofrimento e a dureza da luxação, da cólica, do cautério e da prisão. Pois ele pode ser exposto a qualquer uma delas, uma vez que atingem tanto os bons quanto os maus.
O senhor foi criado dessa maneira?
De modo algum. Fui criado na indolência. E é exatamente por isso que sei o quanto labuta a minha alma em companhia de um corpo tão tenro, tão sensível, que se deixa abandonar sobre ela. Vi homens, mulheres e até crianças para quem uma paulada é menos que um piparote em mim.
E quanto às habilidades sociais?
Que o instruam sobretudo para render-se e depor as armas diante da verdade, sem demora, assim que a perceber, quer ela surja das mãos de seu adversário, quer surja nele mesmo por alguma reconsideração. O silêncio e a modéstia são qualidades muito úteis na conversação. Essa criança deve ser educada para poupar e moderar seu saber, quando o adquirir, para não se melindrar com as tolices e fábulas que serão ditas em sua presença; pois é descortês e inoportuno criticar tudo o que não é de nosso gosto. Como dizia Sêneca, pode-se ser sábio sem pompa nem arrogância.
E em relação à cultura?
Que proveito não tirará da leitura das Vidas de nosso Plutarco? Mas que meu guia se lembre do que visa sua tarefa; e que inculque em seu discípulo menos a data da ruína de Cartago do que os costumes de Aníbal e de Cipião; nem tanto onde morreu Marcelo como por que foi indigno de seu dever e lá morreu.
E os prazeres?
O essencial é a moderação. Ela é a mãe nutriz dos prazeres humanos. Tornando-os justos, tornando-os seguros e puros. Moderando-os, mantém-lhes o alento e o apetite. Suprimindo-nos aqueles que recusa, aguça-nos para aqueles que nos deixa, pois detém o guloso antes da indigestão, o beberrão antes da bebedeira, o libertino antes do sífilis
Devemos versar nossos filhos na filosofia?
É claro. Devemos empregar o tempo, que é tão curto, nos ensinamentos necessários e livrar-nos de todas essas minudências da dialética: São abusos com que nossa vida não pode melhorar – pegai os simples discursos da filosofia, sabeis escolhê-los e tratá-los como se deve, são mais fáceis de compreender do que um conto de Bocaccio.