Naquele domingo eu cheguei com a família para o café da manhã. Sentados em banquinhos ao lado, Geraldo Alckmin e Floriano Pesaro.
Alckmin ainda era mandatário estadual e Floriano deputado, ora sim ora não licenciado para assumir cargos no governo do chefe.
– Eles estão te olhando, vai lá cumprimentar, disse minha mulher.
Levantei a contragosto e fui:
– Bom dia, Dr. Geraldo, bom dia, Floriano.
O diálogo não passou disso.
Virei as costas e voltei para meu canto para curtir as crianças e encher a paciência da mamãe.
Neste 2017, primeiro ano de João Doria, que Geraldo guindou, no comando da prefeitura de São Paulo, o então governador já sentia o peso de ter sido traído pelo afilhado.
Doria assumiu a prefeitura, colocou o uniforme de gari – fez uns idiotas pagarem o mesmo mico – e já anunciou que tinha planos ambiciosos e que não se limitavam a SP: queria a presidência da República, vaga que, pelo combinado, estava reservada ao então padrinho.
Geraldo conseguiu capengando disputar em 2018, mas amargou a quase lanterna na lista de votação.
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Veio 2019 e, sem mandato, e ressentido, continuou recebendo amigos e correligionários na Vila Colméia, próxima do estádio do Morumbi e a quatro quarteitões do apartamento no bairro do Caxingui onde mora com Lu Alckmin desde que resolveu se estabelecer na capital.
Traído por Doria, Geraldo deu a volta por cima
Se as passagens já eram famosas, agora muito mais. Geraldo passa manhãs e tardes inteiras na tradicional padaria recebendo amigos e correligionários.
O estabelecimento virou quartel general do político que saiu do PSDB e se organiza para compor a chapa com Lula na condição de vice. Nesta semana foi a vez de Eduardo Suplicy passar pelo pedaço.
O vereador de São Paulo postou em suas redes uma foto na rua com Geraldo. Um amigo liga para perguntar o motivo do cenário.
A resposta é simples: como receber correligionários o dia todo num apartamento de 120 metros quadrados no máximo?
Geraldo vai a pé da sua casa até a Vila Colmeia.
Faz suas reuniões, toma um café atrás do outro – ele adora – e na volta ainda encontra tempo para conversar e sentar com moradores do bairro no boteco do Português, reduto de sãopaulinos na esquina da sua rua.
Ultimamente, os vizinhos lhe fazem a pergunta que não quer calar: vai mesmo ser candidato a vice de Lula?
Em 100% dos casos ele ri e emenda com alguma piada para disfarçar. Tira uma foto, se estiver animado manda trazer mais um café e segue para casa até o próximo encontro.
Detalhe: faz questão de dizer que paga os cafés e o que mais for consumido com dinheiro do próprio bolso.
É um caso típico de reviravolta no melhor modelo ‘política das antigas’.
Enquando o desafeto Doria despacha do gabinete dos Bandeirantes, com a famosa Montblanc do governo do Estado, o ex que foi traído segue sua vida, numa simplicidade quase de monge.
Um amarga o quase ostracismo, mesmo sendo detentor de um dos cargos mais importantes do país; outro curte, e como, ser cortejado pela Frente Ampla que tenta salvar o Brasil da longa noite de terror imposta por Bolsonaro.
– Garçom, traz mais um!