A discussão é familiar aos brasileiros. Vandalismo nas ruas: os conservadores afirmam que os direitos humanos como que imobilizam a polícia e facilitam a ação dos meliantes. A esquerda sustenta que a exclusão social é a origem dos problemas.
A verdade está parcialmente contida em cada uma dessas duas visões.
Falo dos tumultos que assombram Londres desde a noite do último sábado. O que deflagrou o caos foi a morte pela polícia de um homem negro chamado Mark Duggan no bairro londrino de Tottenham. A namorada, a família e os amigos do morto dizem que ele era um homem de bem. A polícia tem outra versão: era um traficante de drogas e membro de uma gangue criminosa. Estava sendo procurado pela polícia. A página de Duggan no Facebook parece confirmar a versão policial, consideradas algumas fotos e informações, mas a controvérsia ainda está aberta. Indiscutível é que Duggan, na quinta-feira passada, foi morto pela polícia. Ele estava num minicab – um tipo de táxi de segunda linha de Londres — quando foi abordado. Foi baleado e morto – depois de atirar primeiro, conforme diz a polícia. Não há prova de que isso tenha acontecido.
No sábado, um protesto pela morte de Duggan que começara pacificamente em Tottenham acabou degenerando em violência. Fogo em veículos e prédios, saques em comércio, enfrentamento com a polícia. Nos dias seguintes, o caos se espalhou por outras partes de Londres e da Inglaterra. Pode ter havido aí, sobretudo em outras cidades que não Londres, um fenômeno que em inglês é conhecido como copycat – a imitação de crimes.
Férias importantes – agosto é o mês em que as pessoas costumam sair na Inglaterra, o auge do verão – foram abortadas. O primeiro-ministro David Cameron e o prefeito de Londres Boris Johnson retornaram abruptamente à cidade. O policiamento foi substancialmente reforçado em número e em força. Era cogitado ontem o uso de balas de borracha para enfrentar as multidões vândalas. O impasse aí é que, se houver novas mortes por uma polícia mais armada, a confusão pode crescer em vez de cessar.
Por trás de tudo está um quadro de tensão social e racial que se exacerbou, nos últimos anos, por duas razões. Uma é a crise econômica que se colou na Inglaterra e na Europa já faz alguns anos. A outra é o terrorismo islâmico – que levou o inglês médio a ver com desconfiança e desagrado gente que não pareça com ele. Imigrantes e estrangeiros passaram a ser vistos como uma espécie de ameaça.
Duggan era negro. Tottenham tem uma forte comunidade negra.
Manifestantes ouvidos pelo jornal Guardian disseram que a polícia – os feds, no jargão das ruas – trata muito mal os negros. Algumas pessoas justificaram sua participação nos protestos dizendo que simplesmente “não tinham dinheiro”.
Que os negros ocupam uma posição secundária na sociedade britânica é fato. Nos Estados Unidos, movimentos combativos nos anos 50 e 60 – liderados por gente como Malcom X – ampliaram consideravelmente o espaço dos negros. Obama é fruto disso.
Na Inglaterra, apenas em 2002 um negro ocupou um ministério pela primeira vez. Hoje, no governo de Cameron, todos os ministros são brancos. O racismo na Inglaterra jamais foi tão sinistro como nos Estados Unidos. Mas em compensação os negros entre os britânicos jamais deixaram a periferia política e econômica.
Os tumultos dos últimos dias refletem exatamente um quadro de frustração que – até aqui – era quase sempre silenciosa.