Como está a educação? Por Cleo Manhas

Atualizado em 9 de junho de 2023 às 10:32
Alunos assistem aula em escola pública. (Foto: Reprodução)

Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc e membro da Rede de Ativistas do Fundo Malala

O que podemos analisar sobre a educação pública brasileira depois do desmonte da área nos últimos anos e do resultado das Eleições 2022? Nós, da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala (Rede Malala), apresentamos um relatório de monitoramento das ações de governos estaduais e federal relacionadas à educação. Especialmente daqueles parlamentares eleitos/as que assinaram a Carta Compromisso em defesa da educação pública de qualidade.

A Rede Malala reúne 11 ativistas e suas organizações que atuam em diversas regiões do país para garantir o direito à educação de meninas, com foco em meninas negras, indígenas e quilombolas. A Rede de Ativistas pela Educação (Education Champion Network) foi estabelecida pelo Fundo Malala em 2017 inspirada pela mais jovem Nobel da Paz, Malala Yousafzai, e seu pai, Ziauddin Yousafzai, como ativistas locais no Paquistão.

O relatório é uma das ações que desenvolvemos ao longo de 2022 e 2023, no âmbito do projeto intitulado “Eleições”. Neste período, atuamos em várias frentes e ações coletivas, tais como: incentivo à participação política de jovens por meio da Campanha #MeninasDecidem para que meninas com mais de 16 anos tirassem título de eleitor e exercessem o direito de escolha dos representantes nos processos eleitorais; formação com meninas adolescentes de todo o país que escreveram o Manifesto “#Meninas Decidem pelo Direito à Educação” ; elaboração da Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições de 2022, um pacto com 40 pontos sobre a educação que queremos para que candidatas e candidatos a cargos majoritários e proporcionais assinassem e se comprometessem com essas reivindicações ao longo de seus mandatos.

Nos últimos anos, assistimos ao desmonte das políticas públicas garantidoras de direitos e a educação foi a principal área utilizada para a guerra ideológica instalada pelo governo passado. Políticas já consagradas foram escanteadas e nada foi proposto, a não ser um aumento considerável das escolas cívico-militares, ou a presença de militares nas escolas, sem conhecimento do cotidiano e das políticas de educação, interferindo no processo pedagógico. Caminho para a consolidação da escola sem partido, com criminalização de várias áreas de conhecimento.

O momento atual é de reconstrução e incidência para que não só retornemos ao ponto onde estávamos, mas que avancemos na construção de uma educação de qualidade. Constatamos nesse monitoramento dos primeiros meses da nova gestão que estamos em outro contexto, no qual as políticas públicas são valorizadas, assim como o planejamento e a participação da sociedade. No entanto, é preciso acompanhar, monitorar e incidir para que essa direção se consolide e avance cada vez mais.

Desmonte da educação 2019/2022

Com relação ao financiamento das políticas de educação, de acordo com o relatório Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) A conta do desmonte, desde a aprovação da Emenda Constitucional 95, que criou o teto de gastos, os recursos vêm caindo paulatinamente; acrescido a isso, temos o descaso do poder Executivo nos últimos quatro anos. Um exemplo é o que aconteceu no ensino superior: em 2019, a execução financeira era de R$ 43 bilhões e em 2022 foi R$ 35 bilhões, com dados atualizados pelo Índice de preços ao consumidor amplo (IPCA). O que já não era suficiente, ficou drasticamente pior.

Olhar para trás e analisar em perspectiva dá a dimensão do retrocesso e do caminho a ser percorrido para, minimamente, se chegar de onde partiu desde o golpe sofrido pela presidenta Dilma em 2016. Marco importante para a educação, pois foi o governo que a substituiu que propôs uma reforma do ensino médio, por meio de medida provisória, que perpetua desigualdades abissais entre escolas públicas e privadas, especialmente nesta etapa de ensino, dificultando ainda mais o acesso ao ensino superior.

Em 2021, o Inesc, em parceria com o Vox Populi e apoio do Fundo Malala, realizou uma pesquisa com adolescentes de todo o Brasil, estudantes do ensino médio. E o que se encontrou foi um cenário trágico, com defasagem entre redes pública e privada, e com abandono das escolas públicas. Então, além do passivo deixado pela pandemia, há a introdução de uma reforma nada participativa, sendo implementada exatamente no momento pós-pandêmico, sem tratar as sequelas deixadas e provocando novas.

Raça e gênero ficaram de fora das salas de aula. Os defensores da escola sem partido criaram o termo “ideologia de gênero” para retirar educação sobre gênero e sexualidade nas salas de aula. Em 2023, a Lei 10639 de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino das histórias e das culturas afro-brasileiras e indígenas, está fazendo 20 anos e ainda sem a implementação devida, conforme demonstrado por pesquisa realizada pelo Geledés.

Estados

Com relação aos governos estaduais, percebemos que em muitos estados as escolas cívico-militares vêm aumentando consideravelmente. Com previsão de “enfrentar a violência no ambiente escolar, promover uma cultura de paz e o pleno exercício da cidadania”, o que se tem recolhido dessa experiência são situações de assédio e violência com gestores, professores e estudantes, além de interferência nos projetos pedagógicos das escolas. Não basta o governo federal revogar o decreto que cria o Programa de Escolas Cívico Militares (Pecim), é preciso retomar a liderança e estimular que novos caminhos sejam percorridos com a participação da comunidade escolar e com a sociedade civil.
Outra questão preocupante é o Novo Ensino Médio, visto que há estados onde a implantação está avançada, no entanto, com diversos problemas, tais como a falta de estrutura, falta de professoras, itinerários desprovidos de intenção pedagógica, etc. Da forma que está pensada, entre outros pontos “simplificando currículos escolares”, sem previsão de aprofundamento em questões centrais das desigualdades sociais que estão fora da escola, e portanto necessitam de ação integrada entre diversas políticas, assistiremos cada vez menos jovens empobrecidos chegarem ao ensino superior, pois estarão sendo formados exclusivamente para o mercado de trabalho que exige mão de obra menos qualificada.

Como enfatizado anteriormente, essas medidas exigem financiamento público, e para isso é necessário retirar o Fundeb e o piso da educação do novo arcabouço fiscal, ou cairemos na armadilha de ter que escolher entre a educação e outras políticas essenciais à dignidade, sobretudo das populações mais vulnerabilizadas.

O desafio é gigante, o desmonte foi sério e é real, e precisamos de mobilização e muita vontade política para mudarmos os rumos da educação pública de qualidade no Brasil.

Prioridades

Aplaudimos algumas ações importantes realizadas nos primeiros meses do governo Lula, como a recriação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), a retomada do Fórum Nacional de Educação (FNE), novas medidas de combate à violência nas escolas, o reajuste de 39% no valor destinado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o reajuste do valor das bolsas de estudos.

Lula e ministro da educação, Camilo Santana. (Foto: Reprodução)

Mas também enumeramos o que consideramos medidas prioritárias que precisam avançar para a garantia do direito à educação, a saber: i) Construir um novo Plano Nacional de Educação robusto e ambicioso com ampla participação social, e estimular que planos estaduais e municipais sejam elaborados. ii) Revogar o Decreto 10.004 de 2019, que cria o programa nacional de escolas cívico-militares. iii) Revogar o Novo Ensino Médio, pois é preciso dialogar com a comunidade escolar para construir as bases para uma reforma que contemple aquelas que estão em sala de aula, seja ensinando, seja aprendendo, além de ser instrumento de redução de desigualdades raciais, de gênero, de renda, de território. iv) Promover ativamente a reintrodução das diretrizes sobre o debate de gênero e direitos de saúde sexual e reprodutiva nas escolas, revogando projetos de lei e políticas que excluíram essas agendas das diretrizes curriculares e contribuem para exacerbar o preconceito, a discriminação e a censura nas escolas. v) Assegurar a implementação das respectivas diretrizes curriculares para populações específicas, incluindo comunidades indígenas, quilombolas e rurais, e fortalecer as políticas de ação afirmativa com critérios raciais e sociais na graduação. Investir mais em infraestrutura, material didático e professores nas comunidades do campo, floresta e periferia. vi) Garantir condições efetivas para a implementação da História e Cultura Afro-brasileira (Lei 10.639/2003) e Indígena (Lei 11.645/2008) no currículo oficial das redes de ensino, para a oferta de educação inclusiva e antirracista, institucionalizando efetivamente uma abordagem de igualdade étnico-racial nas políticas e na prática. Incluir História e Cultura Afro-brasileira e Indígena no currículo das universidades para a formação de professores. vii) E para garantir que as questões anteriores sejam atendidas, esperamos financiamento adequado e que esteja fora das medidas de austeridade fiscal ou âncoras fiscais.

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