O consórcio jornalístico international “Forbidden Stories” revela em reportagem do jornal francês Le Monde como funcionam as campanhas de desinformação conduzidas pelo grupo de hackers israelense Team Jorge nas redes sociais. Milhares de robôs, impunidade e exploração de sentimentos.
Uma engenharia que conseguiu difamar personalidades e que participou de campanhas eleitorais em diversos continentes, inclusive na América do Sul. Esse quadro, diz a publicação, aponta que as redes sociais funcionam como “base das operações de influência e intoxicação”.
A reportagem de Damien Leloup e Florian Reynaud aponta as redes sociais como base das operações de “influência e intoxicação”. De acordo com a publicação, o segredo da empresa de desinformação israelense é o controle de 39 000 avatares on-line indetectáveis pelas grandes plataformas.
“Le Monde e seus parceiros observaram, principalmente no Twitter, cerca de vinte campanhas orquestradas pela Team Jorge. Na imensa maioria dos casos, os avatares da empresa israelense falavam entre si, seguiam-se entre si, mas sem nunca suscitar reações ou engajamentos de verdadeiros internautas”, descreve.
A reportagem diz não ser clara a eficácia geral das campanhas. “Os laços criados em benefício de campanhas de difamação não pareciam conseguir realmente transpor a ‘bolha’ dos ‘bots’.”
É o suposto rastro de ineficácia que permitiu a descoberta das campanhas. “Em raros casos, certos vídeos obtiveram dezenas de milhares de visualizações no YouTube, e grupos de Facebook criados pelo Team Jorge atraíram internautas desatentos. Ironicamente, é a eficácia limitada da maioria das campanhas, compartilhadas quase unicamente por avatares, que permitiu ao consórcio de jornalistas descobrir a maioria das operações conduzidas nestes últimos anos pelo grupo israelense.”
Os jornalistas identificaram que as campanhas de maior impacto eram destinadas ao ataque de pessoas privadas.
O jornal conta que o Team Jorge fez uma demonstração a jornalistas que se fizeram passar por intermediários de clientes com a criação de uma mentira em massa em torno de uma influencer.
“29 de julho de 2022: Hilary Taylor, a influenciadora americana (2,5 milhões de seguidores no TikTok) que ficou conhecida ao filmar-se com animais que ela hospeda em sua fazenda na Flórida, acorda em pânico. No Twitter, ela vê desfilarem centenas de mensagens de condolências chorando a morte de Emmanuel, a ema que ela cria há anos. Estrela das redes sociais, seus vídeos nos quais o animal era a vedete são vistos por milhões de internautas”, relata o Le Monde.
“O rumor de seu desaparecimento é um certo acontecimento na escala mundial para os amadores de memes e animais. Na Eslováquia, por exemplo, #RIP_Emmanuel (‘descanse em paz, Emmanuel’) foi parar nos ‘trending topics’ do Twitter, a hashtag mais utilizada nesse dia, com 1.346 tweets dedicados à ema. Ao pular da cama, Hilary Taylor se precipita rumo ao cercado. ‘Ele estava me esperando na porta, vivo e pronto para ser acariciado. ‘Emmanuel não está morto’, escreve ela no Twitter, aliviada. A mensagem é curtida mais de 37.000 vezes.”
O boato em torno de Emmanuel era uma demonstração realizada pelo Team Jorge para três jornalistas do consórcio (Frédéric Métézeau da Radio France, Gur Megiddo do jornal TheMarker e Omer Benjakob do jornal Haaretz), que se fizeram passar por intermediários de um potencial cliente francês.
“É essa empresa especializada em manipulação que fez com que centenas de contas do Twitter disparasse a hashtag #RIP_Emmanuel, a fim de mostrar a potência de sua rede de contas falsas, geridas pela plataforma ‘AIMS’ (para ‘Advanced Impact Media Solutions’ ou ‘soluções avançadas para impacto midiático’). Graças a esta última, eles reivindicam possuir 39.000 ‘avatares’ de perfis falsos provando dispor de contas em diversas redes sociais ou serviços on-line”, afirma o jornal.
Mecanismo
A reportagem explica que as campanhas mais exitosas nas redes sociais são as que exploram raiva, nojo ou, em menor grau, a empatia. “Anunciando, por exemplo, a morte fictícia da ema mais famosa da internet.”
Leloup e Reynaud falam de um contexto em que prospera a competição nas plataformas: “As revelações do consórcio sobre Team Jorge são mais um exemplo da competição permanente, há anos, entre de um lado os principais operadores de plataformas e redes sociais, e do outro lado, os atores que desejam abusar dessas grandes ágoras digitais. Meta, Twitter, Google, Reddit… Todas conhecem mais do que bem as questões de luta contra as operações de influência.”
Segundo a matéria, dados descobertos entre a Team Jorge e sua empresa associada Archimedes Group indicam um desenvolvimento por profissionais conhecedores dos mecanismos de controle das redes sociais.
“Os dados da Archimedes Group e Team Jorge não permitem saber quem exatamente concebeu a AIMS; o grau de sofisticaçao técnica da ferramenta deixa supor que ele foi desenvolvido e mantido por profissionais muito conhecedores das contramedidas implementadas pelas grandes redes sociais para detectar falsas contas”, diz o texto.
“E-mails internos de Cambridge Analytica, obtidos pelo quotidiano britânico The Guardian e compartilhados com o consórcio, mostram que em 2017 a Team Jorge havia tentado vender à empresa britânica um sistema automático de criação e gestão de falsas contas capaz, segundo um vídeo promocional, de criar ‘entre 3.000 e 5.000 avatares por dia’”.
O consórcio reunido no Forbidden Stories compartilhou com a Meta um pouco mais de 250 contas do Facebook geridas pela empresa, e os pesquisadores em segurança da rede social confirmaram que todas as contas eram realmente administradas por um mesmo agente.
Eles encontraram ligações técnicas lembrando as ferramentas utilizadas, até seu desmantelamento, em 2019, pelo Archimedes Group, empresa israelense especializada na gestão de falsas contas e que é suspeita de ter realizado campanhas eleitorais em diversos países da África, América do Sul e Ásia.
Numa quinta-feira, 15 de fevereiro, o Facebook suprimiu um numero não especificado de contas da rede AIMS, garantindo que outras contas ligadas ao mesmo ator haviam sido detectadas automaticamente por suas ferramentas de luta contra as falsas contas, e que as contas criadas pela Team Jorge tinham ‘fracassado em atrair uma audiência significativa”.
A data tardia de ação do Facebook, tendo em vista os quase quatro anos desde o desmantelamento da Archimedes Group, sugere tal impunidade. Por que o Facebook não suprimiu as contas antes?
“O Le Monde e seus parceiros tentaram igualmente contatar o Twitter, que parece ser a plataforma sobre a qual os avatares de Team Jorge foram os mais ativos. Em razão das demissões na empresa desde sua compra por Elon Musk, fim de outubro passado, e do desmantelamento da equipe de comunicação da rede social, essas tentativas não tiveram êxito.”
O contexto parece então tornar-se favorável à difusão massiva da mentira em rede.
O combate à proliferação das mentiras e operações de manipulação nas redes torna-se uma questão de segurança internacional.
“Alguns Estados têm um interesse evidente em lutar contra essas novas operações de influência, como testemunham as imagens regularmente publicadas pelas autoridades ucranianas e mostrando o desmantelamento de ‘fábricas de trolls’ russas, ou exibindo dispositivos artesanais compostos de centenas de cartões SIM utilizados para abrir falsas contas nas redes sociais”, afirma a publicação.