Esta matéria foi postada em outubro de 2014. Está sendo republicada por motivos óbvios.
A repórter LVC trabalha numa grande publicação mineira. Ela contou ao DCM como funciona o “tráfico” de reportagens apuradas em Minas Gerais e que são repassadas para órgãos de imprensa do Rio e de São Paulo.
Em resumo: nas gestões de Aécio Neves e de seu sucessor Anastasia, ficaram vetadas matérias “negativas” sobre o governo.
A pressão sobre a mídia, exercida principalmente por Andrea Neves — irmã de Aécio e responsável pela comunicação –, foi bem retratada em dois documentários: “Liberdade, Essa Palavra” e “Gagged in Brazil” (“Amordaçados no Brasil”).
Ironicamente, a versão original dos dois filmes foi retirada do YouTube.
Diante da censura e do receio de demissão, a saída dos profissionais é “sugerir” para colegas de outros estados as denúncias. Na maioria das vezes, elas são publicadas. Na maioria. “A gente fica feliz por tabela”, diz LVC.
O depoimento:
O tráfico de matérias daqui de Minas para outros jornais foi a forma que encontramos para driblar a censura, que tomou uma dimensão inacreditável nos últimos anos.
A gente já sabia de muitas dessas histórias, hoje conhecidas, há muito tempo. O aeroporto de Cláudio, o nepotismo, os problemas na educação…
Somos proibidos de ouvir o chamado ‘outro lado’ nas reportagens envolvendo inimigos do governo. Em casos como o aeroporto, o Estado de Minas [o maior jornal local] e o Hoje em Dia nunca deram uma linha. Quando saiu alguma coisa, foi apenas a justificativa da assessoria de Aécio Neves. Só o jornal O Tempo fez a cobertura.
A história do Agnello Queiroz, por exemplo, foi entregue por um amigo meu à imprensa de São Paulo e Rio [um assessor do governador de Brasília Agnelo Queiroz, quando ele era ministro do Esporte, recebia propina de uma empresa que presta serviço ao GDF. O dinheiro abasteceria um caixa 2 da campanha]. Não podia sair nada porque Agnello é amigo de Aécio.
Também foi um colega daqui que passou adiante os documentos comprovando que assessores do gabinete de Aécio, quando senador, recebiam dinheiro em cargos de estatais mineiras. A Heloísa Neves, assessora de imprensa do Aécio, é uma dessas pessoas
[Diz o Estadão: “Três servidores comissionados recebem, além do salário do Senado, remunerações por integrar conselhos de empresas do Estado, governado pelo tucano de 2003 a 2010 e agora sob o comando do aliado Antônio Anastasia (PSDB). Assim, turbinam os rendimentos em até 46%. Ninguém é obrigado a bater ponto no Senado e, nas estatais, são exigidos a ir a no máximo uma reunião por mês. (…)
Também assessora de Aécio, com salário de R$ 16.337, a jornalista Maria Heloísa Cardoso Neves recebe jetons de R$ 5 mil por mês da Companhia de Desenvolvimento Econômico de MG (Codemig) para participar, obrigatoriamente, de três reuniões anuais do Conselho de Administração. E, por vezes, de encontros extraordinários”.]
O mensalão do Arruda não foi noticiado por causa de suas relações com Aécio. Nós conversamos bastante com os correspondentes dos jornalões. A direção dos jornais daqui já suspeita de que isso acontece, mas não há nada que eles possam fazer.
Há orientações sobre fotos. As de Dilma têm de ser fechadas nela e, de preferência, ela não pode aparecer sorrindo. Depois que votou em Porto Alegre no primeiro turno, ela foi para a casa do ex-marido, o Carlos Araújo. O neto apareceu lá. Foi proibida a publicação da fotografia dela com o menino.
Com a candidatura do Aécio, o Estado de Minas passou a dar duas manchetes de política. São sempre favoráveis a ele. Toda a imprensa mineira funciona assim.
No Estado de Minas, houve uma rebelião e os jornalistas deixaram de assinar matérias em que os editores mudavam demais o texto. Fica como “Da Redação”. No Hoje Em Dia, personagens que os repórteres não ouviram estão sendo incluídos nos artigos.
Essa censura vale até para assuntos corriqueiros, coisas com que qualquer governante tem de lidar. Nem as greves de professores são repercutidas.
As fontes relacionadas ao governo de Itamar Franco foram banidas. Existe um índex, uma lista negra, de pessoas que não podem sair de jeito nenhum. Algumas delas são o Fabrício de Oliveira, economista que critica o “choque de gestão”; o Rogério Correia, deputado estadual pelo PT; o Padre João, deputado federal pelo PT; e o Sávio Souza Cruz, deputado estadual pelo PMDB.
Ocorrem armações. Uma vez, a oposição estava reclamando que Aécio estava passando tempo demais no Rio de Janeiro. O Estado de Minas fez uma foto dele, de manhã cedo, no Palácio da Liberdade, para dar a impressão de que o governador trabalhava muito.
Não há condições de continuar assim por muito tempo. O Aécio não aceita a mínima crítica. Tudo é controlado.
Existe por parte dos donos dos meios de comunicação um realismo maior do que o rei. Eles esperam que, com a vitória do candidato, a recompensa venha na forma de mais verbas publicitárias.
Quando o Aécio foi pego no bafômetro no Rio, saiu nota de pé de página só porque o clamor foi enorme.
No caso do aeroporto de Cláudio, nós sabíamos da obra há anos. A novidade, para nós, foi que a chave ficava com o tio-avô de Aécio, o Múcio. Isso porque nunca pudemos investigar nada in loco. Nem pensar em ir até lá.
O emprego de parentes é algo antigo por aqui. Mas a única informação recente sobre nepotismo na política que saiu em Minas foi sobre o irmão da Dilma, o Ygor Rousseff. Aí rendeu manchete. [Durante um debate, Aécio declarou que o irmão da presidente foi funcionário “fantasma” e recebia salário da prefeitura de Belo Horizonte “para não fazer nada”].
Um conhecido passou para a imprensa paulista a história da carteira da polícia que o Aécio conseguiu. A matéria acabou não sendo publicada [em 1983, aos 23 anos, Aécio obteve a carteira. Seu avô, Tancredo, era o governador].
O primo dele, o Quedo, é famoso. Quando ele foi preso, saiu uma notícia. Daí em diante, a ordem era para que todo o desdobramento do episódio fosse para apresentar a defesa [em 2011, o comerciante Tancredo Tolentino foi acusado de pedir 150 mil reais de propina para libertar traficantes de drogas. Ele teria dado o dinheiro ao desembargador Hélcio Valentim de Andrade Filho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e alvo de ação penal no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Fantástico não mencionou o nome de Aécio].
A apreensão do helicóptero dos Perrella com cocaína seguiu a mesma lógica. Saiu a notícia. Em seguida, só matérias deles se defendendo. No caso do mensalão mineiro e do Eduardo Azeredo, é vetado usarmos a palavra “mensalão” [Aécio tem insistido que são mensalões “diferentes”: “Acho que com serenidade e muita transparência Azeredo terá tempo de apresentar seus argumentos e demonstrar que não há paralelo entre uma questão e outra”, afirmou].
Nós somos obrigados a fazer esse jornalismo de guerrilha. É muito frustrante ter uma grande matéria nas mãos e ela ser censurada. Quando sai em outro lugar, ficamos felizes por tabela.