Por Nathaniel Flakin
Em resposta ao ataque assassino de Israel a Gaza, aconteceram manifestações massivas ao redor do mundo e uma greve geral em toda a Palestina. O movimento de solidariedade inclui até socialistas que veem Joseph Stalin como uma inspiração. Os stalinistas modernos se descrevem como anti-imperialistas e contrários ao sionismo.
Eles podem citar uma nota de rodapé num panfleto de Stalin de 1913 sobre a questão nacional, escrito sob as influências de Nikolai Bukharin e Lenin, em que o futuro ditador descreve o sionismo como “uma tendência nacionalista e reacionária da burguesia judaica, que tinha seguidores entre os intelectuais e as seções mais atrasadas dos trabalhadores judeus. Os sionistas se esforçaram para isolar as massas da classe trabalhadora judaica da luta geral do proletariado.”
Mas como a União Soviética sob Stalin reagiu à fundação do Estado de Israel em 1948? E que efeito isso teve sobre os Partidos Comunistas leais a Moscou?
A União Soviética reconheceu diplomaticamente Israel em 17 de maio de 1948, apenas três dias após sua declaração de independência. Foi o primeiro estado do mundo a fazer isso – muito antes dos Estados Unidos.
Em um artigo recente na Jewish Currents, Dorothy M. Zellner relata detalhadamente os efeitos disso sobre o Partido Comunista, já sob os efeitos do Stalinismo, nos Estados Unidos. O CPUSA (Partido Comunista dos EUA) em publicações direcionadas aos judeus, sempre rejeitou o Sionismo e a ideia de um Estado judaico.
Quando o “sindicato” sionista da Palestina, o Histadrut, tentou boicotar os trabalhadores palestinos, os comunistas americanos se referiram a ele – corretamente – como uma instituição “Jim Crow” (em alusão as leis segragacionistas dos Estados Unidos). O CPUSA, apesar de sua política stalinista, tinha tradição de luta contra o racismo – e por isso denunciou o racismo do projeto de colonização sionista.
Em 1947, entretanto, a União Soviética surpreendeu o mundo ao anunciar que apoiaria o plano da ONU de partilhar a Palestina e criar um Estado judaico.
O apoio de Stalin ao sionismo foi vital – é justo dizer que Israel poderia não existir em sua forma atual se a União Soviética não tivesse oferecido seu apoio. Os historiadores suspeitam que Stalin tinha a expectativa de enfraquecer a posição do imperialismo britânico na região – talvez ele visse os colonos judeus como uma espécie de movimento de libertação nacional. Mas, na realidade, a previsão de todos os marxistas sérios se tornou realidade: o novo Estado judeu se tornou um vigia do imperialismo.
O apoio soviético a Israel também não se limitou a meios diplomáticos. Via Tchecoslováquia, o bloco soviético enviou armas à milícia sionista Haganah, que as usou para iniciar a limpeza étnica da Palestina. Em outras palavras, Stalin deu apoio material à Nakba. O Partido Comunista alinhado a União Soviética, o MAKI, tornou-se um importante apoio para o estabelecimento do estado sionista.
Como resultado dessa política criminosa, as idéias do socialismo e do comunismo, que antes tinham grande apelo das massas árabes, foram desacreditadas em toda a região. Nos Estados Unidos, os comunistas do PC já estavam acostumados a aceitar giros em 180 graus em sua linha política, e em poucos meses, o CPUSA estava oferecendo apoio irrestrito à limpeza étnica dos sionistas e espalhando relatórios falsos sobre supostas atrocidades árabes como justificativa.
Trotskismo
Comunistas de verdade – aqueles opostos ao Stalinismo – sempre rejeitaram o Sionismo. Enquanto a burocracia de Stalin estava ocupada fazendo acordos com as potências imperialistas – primeiro com os nazistas, depois com os imperialistas “democráticos” – foi a Oposição de Esquerda liderada por Leon Trotsky que lutou pela independência política da classe trabalhadora. Isso significava se opor a qualquer forma de imperialismo e colonialismo, incluindo o sionismo.
Leon Trotsky disse pouco antes de ser assassinado por um agente stalinista: “A tentativa de resolver a questão judaica por meio da migração de judeus para a Palestina pode agora ser vista pelo que é, uma trágica zombaria do povo judeu”.
Ele acrescentou prevendo: “O desenvolvimento futuro de conflitos militares pode muito bem transformar a Palestina em uma armadilha sangrenta para centenas de milhares de judeus. Nunca foi tão claro como hoje que a salvação do povo judeu está inseparavelmente ligada à derrubada do sistema capitalista”.
O ex-sionista que se tornou trotskista Abraham Leon escreveu um estudo monumental sobre A Questão Judaica, no qual ele demonstrou de forma semelhante que a opressão dos judeus não poderia ser superada pela criação de um novo Estado-nação sob a tutela de potências imperialistas. Ele apresentou um programa para os revolucionários judeus lutarem como parte da classe trabalhadora internacional para derrubar o capitalismo.
Hoje, é cada vez mais comum reconhecer que Israel é um projeto colonial racista com muitas similaridades com o regime do Apartheid. É interessante notar que os trotskistas na África do Sul entenderam muito antes da fundação de Israel que a colonização sionista criaria um sistema muito semelhante. Em 1938, The Spark, um jornal trotskista na África do Sul, escreveu:
“A continuação do curso sionista-imperialista aprofundará a barreira do ódio e do chauvinismo, aumentará o abismo entre árabes e judeus e promoverá conflitos perpétuos e guerra civil, pondo em risco a própria existência da comunidade judaica. E ao dizer isso, não são os sionistas que temos em mente. Queremos dizer a grande massa de trabalhadores judeus e pequenos camponeses. Eles podem resolver o problema dos judeus na Palestina com muita facilidade. O que é necessário é solidariedade e cooperação de trabalhadores e camponeses judeus e árabes, numa luta unida por uma Palestina livre e independente de trabalhadores e camponeses, libertada das algemas do capitalismo imperialista”.
Quando os planos de partilha e criação de um estado exclusivamente judaico se tornaram mais concretos em 1947, os comunistas membros de Partidos Comunistas oficiais e também os chamados sionistas de “esquerda” ou “socialistas” moveram suas forças para esse “empreendimento” colonial.
Foi apenas a organização trotskista na Palestina, a Liga Comunista Revolucionária, que saiu claramente em oposição. Falando aos trabalhadores judeus, disseram que um estado judeu na Palestina seria inevitavelmente uma ferramenta do imperialismo. Eles convidaram os trabalhadores judeus a lutarem contra o imperialismo ao lado de seus irmãos de classe árabes em toda a região.
A Liga Comunista Revolucionária continha numerosos revolucionários corajosos, como Yigael Glückstein, que já sob o nome de Tony Cliff se tornaria um líder do Socialist Workers Party (Partido Socialista dos Trabalhadores) na Grã-Bretanha, assim como Jakob Moneta e Rudolf Segall, que retornaram à sua terra natal Alemanha onde lideraram o movimento trotskista por décadas. Também incluiu Jakob Taut e Jabra Nicola, que permaneceram na Palestina e eram ativos na Nova Esquerda em Israel depois de 1968. Abaixo, publicamos uma declaração da Liga Comunista Revolucionária, seção palestina da Quarta Internacional, de 1947. Agradecimentos à ex- Liga Socialista dos Trabalhadores da Palestina e a Einde O’Callaghan por traduzir e publicar a declaração.
Essa história oferece lições importantes para hoje. A política stalinista de buscar alianças com potências imperialistas “progressistas” só levou a derrotas. Para libertar a Palestina, a classe trabalhadora precisa se constituir como uma força política independente lutando pela revolução socialista.
Contra a partilha! (1947) – Liga Comunista Revolucionária
Os membros do comitê da ONU mostraram “compreensão” e “fizeram um trabalho maravilhoso em muito pouco tempo”. Com essas palavras, a representante da Agência Judaica, Golda Meier, endossou a proposta de partilha. A maioria dos partidos sionistas concordaram, com algumas reservas quanto à “forma” da solução.
O secretário de Relações Exteriores americano Marshall também compartilhou dessa opinião. É bem sabido, porém, que o destino dos povos perseguidos não costuma ser a principal preocupação do Ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos. Portanto, sua reação pode causar apreensão entre aqueles que acreditam nas boas intenções do comitê da ONU.
O que dá a proposta da ONU aos judeus? À primeira vista, tudo: uma cota de imigração de 150.000 pessoas e ainda mais; independência política; cerca de dois terços da Palestina; três grandes portos e quase todo o litoral. Isso é mais do que os mais otimistas entre os membros da Agência Judaica ousariam pedir.
Toda essa “compreensão” e “amizade” não parecem um pouco suspeitas? Por que votaram nessa proposta os representantes do Canadá, Holanda e Suécia, que têm laços estreitos com as potências anglo-saxônicas? E por que votaram nele os representantes da Guatemala, Peru e Uruguai, cujas políticas são ditadas por Washington? Todos os periódicos sionistas, bem como os semi-sionistas (os órgãos do Partido Comunista da Palestina) recusaram-se a fazer essa pergunta, e, é claro, a respondê-la.
Mas essa é precisamente a questão fundamental. Mais importante do que o conteúdo da proposta são os motivos de quem a enviou. Não nos enganemos! Por trás dos – nas palavras de Marshall – países “neutros”, estão as potências, que são as mais interessadas nesta questão. Os cálculos que produziram a proposta de partilha são exatamente os mesmos que ocasionaram a partição da Índia.
Que cálculos são esses? Em nosso período, o período das revoluções sociais e das revoltas dos povos escravizados, o imperialismo governa por meio de dois métodos principais: a repressão implacável e brutal (como na Indonésia, Indochina e Grécia), ou esvaziando a luta de classes por meio de conflitos nacionais. A segunda maneira é mais barata e mais segura e permite que o imperialismo se esconda atrás das cortinas.
O imperialismo até agora tem empregado com sucesso o método divide et impera (dividir para conquistar) neste país, usando a imigração sionista como fator de divisão. Criou-se assim a tensão nacional que, em grande medida, dirigiu contra os judeus a raiva que foi provocada pelo imperialismo nas massas árabes da Palestina e do Oriente Médio. Mas esse método deixou de produzir os resultados desejados.
Apesar da tensão nacional, uma forte e combativa classe trabalhadora árabe se desenvolveu no país. Um novo capítulo na história da Palestina se abriu quando os trabalhadores árabes e judeus cooperaram em greves em grande escala, a fim de forçar os exploradores imperialistas a fazer concessões. E o fracasso da última tentativa de forçar os habitantes da Palestina a um novo derramamento de sangue mútuo por meio de provocações, ensinou aos imperialistas uma nova lição.
Agora eles tiraram suas conclusões: se vocês se recusarem a lutar entre si, vamos colocá-los em uma posição econômica e política que os forçará a fazê-lo! Esse é o conteúdo real da proposta de partilha.
Talvez a proposta de partilha concretize o sonho do povo judeu de independência política? A “independência” do estado judeu se resume em escolher, de forma “livre” e “independente” entre duas opções: morrer de fome ou vender-se ao imperialismo.
O comércio exterior – tanto de importação quanto de exportação – permanece como antes: sob o controle do imperialismo. Os principais setores da economia – petróleo, eletricidade e minerais – permanecem nas mãos de monopólios estrangeiros. E os lucros continuarão a fluir para os bolsos dos capitalistas estrangeiros.
Um estadista judeu no coração do Oriente Médio pode ser um excelente instrumento nas mãos dos estados imperialistas. Isolado das massas árabes, este Estado estará indefeso e totalmente à mercê dos imperialistas. E eles o usarão a fim de fortalecer suas posições, enquanto ao mesmo tempo estimulam nos estados árabes a ideia do “perigo judeu” – isto é, a ameaça representada pelas tendências expansionistas inevitáveis do minúsculo estado judeu. E um dia, quando a tensão atingir seu ápice, os “amigos” imperialistas deixarão o Estado judaico entregue ao seu destino.
Os árabes também receberão “independência política”. A partilha trará a criação de um estado árabe feudal atrasado, uma espécie de Transjordânia a oeste do rio Jordão. Esperam assim isolar e paralisar o proletariado árabe da região de Haifa, importante centro estratégico de refinarias de petróleo, bem como dividir e paralisar a luta de classes de todos os trabalhadores da Palestina.
E a “salvação dos refugiados dos campos de concentração”? O imperialismo criou o problema dos refugiados dos campos de concentração ao fechar as portas de todos os países para eles. O destino dos refugiados é sua responsabilidade. O imperialismo não é filantrópico. Se enviar como um “presente” os refugiados à Palestina, o fará por um único motivo: para usá-los para seus próprios fins.
A proposta de partilha, aparentemente tão “favorável” aos judeus, contém vários aspectos que são altamente producentes ao imperialismo: 1) As concessões ao sionismo serão usadas como isca para obter a aprovação da maioria judaica ; 2) Inclui várias provocações, como a incorporação de Jaffa ao estado judeu e a negação de qualquer porto aos arabes, o que os enfurece; 3) Essas provocações permitem que a Grã-Bretanha apareça como “amiga dos árabes”, que “lutará” por uma segunda divisão mais justa. Isso, por sua vez, os ajudará a engolir sua raiva frente aos britânicos. Em outras palavras, temos aqui uma divisão do movimento operário pré-organizada.
Resumindo: a proposta do comitê da ONU não é uma solução nem para os judeus nem para os árabes; é uma solução pura e exclusiva para os países imperialistas. Os formuladores de políticas sionistas agarraram avidamente o osso que o imperialismo lhes jogou. E os críticos sionistas “de esquerda”, em nome de tirar a máscara do jogo dos imperialistas, atacam sem entusiasmo a proposta de partilha e apelam por… um estado judeu em toda a Palestina! Um estado binacional de acordo com a proposta de Shomer HaTsa’ir (Jovem Guarda) que é apenas o direito dos judeus de impor aos árabes – sem seu consentimento e contra sua vontade – a imigração judaica e as políticas sionistas.
E quanto ao Partido Comunista da Palestina? Aparentemente, espera pela solução “justa” da ONU. Em todo caso, continua a semear ilusões em relação à ONU e, nesse sentido, ajuda a ocultar e implementar os programas imperialistas.
Contra tudo isso, dizemos: Não vamos cair na armadilha! A solução do problema judaico, como a solução dos problemas do país, não virá “de cima”, pela ONU ou por qualquer outra instituição imperialista. Nenhum “terror” ou “pressão” moral fará com que o imperialismo abandone seus interesses vitais na região (o estoque de petróleo deu 60% de dividendos este ano!).
Para resolver o problema judaico, para nos libertar do fardo do imperialismo, só há um caminho: a luta de classes em comum com nossos irmãos árabes; uma luta que é um elo inseparável da guerra anti-imperialista das massas oprimidas em todo o Oriente árabe e em todo o mundo.