Como Luciano Hang comprou a empresa da qual foi demitido, sepultando o RH. Por Renan Antunes

Atualizado em 16 de março de 2020 às 7:46
Anúncio da Renaux com Sandra Bréa em 1966 na revista Manchete

Esta reportagem é fruto de crowdfunding do DCM. As demais da série estão aqui

POR RENAN ANTUNES DE OLIVEIRA, de Brusque (SC)

O bilionário empresário Luciano “Véio da Havan” Hang não quis falar com o DCM para esta série que tenta mostrar aos brasileiros como ele saiu do zero e tenta chegar ao infinito.

Ele está quase lá. Tem uma fortuna estimada pela revista Forbes em 2,2 bilhões de dólares (9,5 bilhões de reais ao dólar de 4.30). Já é o brasuca em 21º lugar na lista dos magnatas.

Ele veio do zero absoluto: o Véio é apenas a segunda geração de uma família de imigrantes alemães.

Seu avô foi empregado das Indústrias Renaux (a primeira têxtil de SC) e “deixou para a família uma casinha de madeira com tanto cupim que eu não podia botar as mãos na parede”, escreveu Luciano em suas memórias, ainda inéditas.

A família viveu meio século abaixo do zero: vovô Reynaldo chegou ao fim da vida sem dinheiro para um par de calçados – não é como hoje, em que os patrões são bondosos.

Reynaldo Hang, o avô: descalço até a aposentadoria

Era comum que o empresariado da época descuidasse do proletariado. Quando Reynaldo fez 60 anos de casado ainda andava descalço, dava pena na família.

O filho dele, Luiz, cujo trágico suicídio contamos no domingo passado aqui no DCM, começou cedo a trabalhar na mesma indústria do pai. Ficou lá por 40 anos, sempre como tecelão, até se aposentar. Quando se matou, aos 79, era sócio do filho Luciano, nosso Véio, na primeira Havan, mas pelo menos morreu calçado.

Luciano tinha apenas 17 quando foi sua vez de seguir a carreira do pai e do avô. Também entrou na Renaux.

O cônsul da Alemanha no Brasil à época, Carlos Renaux, era o dono do negócio. Karl Marx estava vivo quando Carlos deixou a Alemanha deles. A fábrica começou a funcionar, em 1892. Aqui, Carlos se uniu ao empresariado catarinense e nunca mais foi vencido, construindo um clã formidável. 

Você já teve uma geladeira Consul (sem acento)? A empresa foi fundada por Carlos Renaux e o nome é em sua homenagem.

Vovô Reynaldo foi um dos primeiros proletários do cônsul. Ajudou os Renaux a fazerem uma fortuna incalculável, quase um século acumulando grana.

Em 1980, o franzino Luciano entrou no setor de expedição da poderosa Renaux – que mal se imaginava, estava quase à beira da falência.

Por três anos ele se comportou bem, até obter uma vaga no setor de vendas – virtude que ele tem: se o cliente vacilar, Luciano Hang é capaz de vender até a estátua da Liberdade.

Aos 21 o jovem da Havan fez um sócio chamado Vanderlei e os dois abriram a primeira loja da rede, usando as iniciais de ambos, Hang e Van-derlei. A lojinha tinha apenas 45 metros quadrados – hoje caberiam 666 delas na matriz de Brusque, com seus 30 mil.

Por algum motivo nunca revelado pelos sócios, Vanderlei se foi, mas deixou o nome para ser usado por Luciano – mais uma vez, fofoqueiros preocupados com a vida dele dizem que o silêncio eterno do ex-sócio foi comprado. Deve ter sido um preço bom, Van nunca abriu a boca.

Boca grande quem tinha era o Luciano. Amigos que frequentavam com ele o bar Kako, perto da Câmara de Vereadores, e o Schumaker, no distrito Guabiroba, falam da juventude do Véio: “Ele vivia cantando vantagem, mas todo mundo sabia que ele não tinha onde cair morto”, conta uma amiga das noitadas.

O mote dele aos 21, quando abriu a primeira lojinha: “Eu quero ficar rico, muito rico”. Bem, até aí, quem não gostaria?

Luiz Hang e o filho Luciano

Luciano seguiu com sua lojinha, com o pai ajudando no balcão, até fazer 24 – quando foi demitido da Renaux por justa causa.

Como a cidade era pequena naquele tempo, logo começaram as fofocas. O fato é que ele jamais foi denunciado nem processado pela Renaux.

Quando a empresa quebrou, no final dos anos 90, o Véio da Havan comprou todo espólio: o magnífico parque industrial e a documentação do RH – sepultando os boatos sobre a demissão.

Numa entrevista a Roberto Cabrini no Conexão Repórter ano passado, já com 56 anos e montando no personagem do Véio da Havan, ele respondeu se fizera alguma coisa ilegal nos negócios, no início da carreira.

A resposta foi o mais próximo que ele já chegou de uma confissão: “Se você me disser que sempre fez tudo sempre certo, você é um mentiroso”, disse o Véio.  

O modelo Luciano de crescimento era achatar os salários, terceirizar ao máximo possível, rodar o pessoal insatisfeito, não pagar impostos, não recolher INSS, subornar agentes federais do fisco no porto de Itajaí e do seguro social – tudo documentado em 38 processos na Justiça Federal e em incontáveis litígios com fornecedores e concorrentes.

Ele também recorria à imaginação para resolver pendências. Vamos dar aqui um salto para os anos 2 000, com a Renaux já falida. Luciano mostrou o quanto odiava os patrões do pai e do avô.

Por aqueles dias, um dos herdeiros da Renaux pediu um empréstimo de 5 milhões para Luciano. Sua Havan tinha quase 80 lojas e faturava horrores, cinquinho não era nada.

Ele emprestou, com uma taxa de juros que nenhuma das duas partes quis contar.

E aí veio o problema. O dinheiro não foi pago na data combinada. Luciano então ordenou aos frotistas da Havan que fizessem um cerco à casa do empresário “Xixo” Renaux – homem do tipo que fazia negócios no fio do bigode.

“Foi um escândalo na cidade, ele não precisava ter feito aquilo”, diz a cunhada de Xixo.

O cerco durou semanas. Aí começou a circular na cidade que uma das herdeiras dos Renaux seria sequestrada – Xixo pagou a dívida e a paz voltou a reinar em Brusque.