Esta é mais uma reportagem da série do DCM dedicada a investigar o papel da Sabesp e de seu controlador, o governo do estado de São Paulo, na crise da falta de água. As demais matérias estão aqui. Fique ligado.
Cada vez que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) se pronuncia sobre a crise hídrica, lança mais trevas ao invés de luz nas informações. E agora é a população da capital paulistana que começa a pagar a conta do rombo.
O governo do estado de São Paulo assumiu no dia 19 de março que pagará R$ 1,012 bilhão de uma dívida histórica.
Este valor é referente aos benefícios de aposentadoria e previdência entre os anos de 1986 e 2001 de antigos funcionários das seis estatais que compõem a Sabesp, fundada em 1973.
O pagamento de dívidas, no entanto, não é nada transparente. Fontes consultadas pelo jornal O Estado de S.Paulo afirmam que a receita da empresa fornecedora de água terá uma queda de cerca de R$ 1 bi. Ou seja, o dinheiro das aposentadorias seria conveniente num momento de rombo nas contas.
A queda no balanço a ser anunciado no dia 26 de março casa com as cobranças que a Sabesp está fazendo de três cidades em São Paulo: Guarulhos, Mauá e Santo André. A empresa quer R$ 3 bilhões. De acordo com Rubens Naves, o advogado da Sabesp no processo, Garulhos não paga suas contas de água, Mauá deposita valores irrisórios e Santo André paga um quarto das cobranças.
A Sabesp atualmente possui duas acusações de crimes corporativos pesados no Ministério Público: de formação de cartel no setor de vazamentos de água e de obras emergenciais irregulares. Essas investigações estão sendo feitas no MP num total de seis inquéritos. Novas frentes de apuração do órgão podem se abertas.
As obras emergenciais serão feitas sem licitação pública. Se elas tivessem sido realizadas antes, em 2003, quando a crise hídrica foi ventilada, concorrências públicas poderiam ter sido abertas de maneira regular. Na atual situação, é grande a possibilidade de que empresas que já venceram as licitações ganhem dinheiro com projetos caros e de curto prazo.
O valor dos projetos também seria reduzido em obras de longa duração.
Com toda essa situação, o valor bilionário que o governo de Alckmin vai pagar sairá do bolso do contribuinte, do tesouro estatal. E os principais beneficiados, no risco de colapso da Cantareira, são justamente as empresas privadas que estão envolvidas em supostos escândalos e não enfrentarão concorrência pública.
Mas o problema não fica apenas no rombo financeiro. Ela se estende nos dados difundidos durante a crise da Sabesp.
Dados imprecisos
O sistema Cantareira está com 15,6% do seu nível ou caiu para o patamar de 12%? Os vazamentos de água no abastecimento hídrico são de mais de 30%, 29% ou 17%? Por que a Sabesp divulga números tão diferentes ao longo de sua crise hídrica, que pode provocar um colapso de gestão, desde janeiro de 2014?
Sob comando de Dilma Pena, no auge da crise em 2014, quando a empresa estava prestes a decretar o uso do volume morto, divulgou-se que 31,2% da água do estado de São Paulo foi perdida em vazamentos dos encanamentos. O volume equivale a 981 bilhões de litros ou quase uma Canteira inteira.
No mesmo levantamento, 51% dos canos de abastecimento, que atingem bairros como Perdizes, Moema, Tatuapé e Sé na cidade São Paulo, possuem mais de 30 anos de uso. Tóquio, no Japão, é uma das cidades que menos desperdiça água no mundo, na faixa de 2%. Sua manutenção de tubulações é feita preventivamente, no caminho oposto ao da Sabesp que só faz trocas quando os componentes apresentam problemas.
O diretor metropolitano Paulo Massato Yoshimoto contestou essa informação sobre os encanamentos japoneses, dizendo que em medidas internacionais, eles poupam 7% da água e não 2%. “Mesmo assim, é um bom índice”, disse o engenheiro da Sabesp em audiência na CPI no mês de fevereiro.
Os dados chamaram atenção em abril do ano passado. Quatro meses depois, o Instituto Trata Brasil divulgou que em 2012 a perda foi ainda maior, de 36,3%. Ou seja, na verdade a situação das tubulações estaria melhorando, mesmo com a crise e a estiagem que castigava a maior reserva hídrica da Sabesp.
Dilma Pena disse que recebeu “ordens superiores” para não divulgar informações sobre a crise da empresa e Paulo Massato disse que se a seca continuasse no sistema Cantareira, era melhor que saíssemos de São Paulo. No fim de 2014, a presidente saiu, para a entrada de Jerson Kelman, e Massato teve a sorte de ter chuvas atípicas nos meses de fevereiro e março de 2015. No fim, ninguém precisou fugir de São Paulo.
O novo porta-voz
Jerson Kelman tem 66 anos, é Ph.D. em Hidrologia e Recursos Hídricos pela Colorado State University, além de ter atuado como professor. Na audiência que participou na CPI da Sabesp, no dia 25 de fevereiro, Kelman apresentou muitos dados.
Em um gráfico sobre a estimativa dos vazamentos de água, a Sabesp mostrava que as perdas haviam sido reduzidas de 40% em 2004 para 29% em 2013.
Mas qual dado estava certo? As estimativas de Dilma Pena ou do novo presidente Jerson Kelman? Por que os dados apresentaram diferenças?
Também foi comentado dentro da CPI como Kelman defendia com muita tranquilidade a falta de necessidade de rodízio, um racionamento mais pesado. As falas do novo presidente iam completamente de encontro oposto aos de Dilma Pena, que apontava para um cenário muito mais catastrófico em 2015 pela falta de chuvas.
O diretor metropolitano Paulo Massato fornecia dados para que Jerson Kelman fizesse a defesa da empresa. Um reportagem da revista Época, ele é descrito como o “homem das gambiarras da Sabesp”. Engenheiro com 32 anos de empresa, essa descrição se encaixa com as decisões que ele tomou sem consultar ninguém, como a redução da pressão nos canos, provocando um racionamento parcial em determinadas localizações, e o uso da duas cotas do volume morto da Cantareira.
Ele tomou essas decisões com aval completo do governador Geraldo Alckmin, por ter um grande conhecimento técnico. Mas as decisões foram, de fato, as melhores?
O que o texto da revista não mencionou é que Massato possui uma acusação no Ministério Público de facilitar a atuação de um cartel de empresas no setor de vazamentos da Sabesp. O especialista em gambiarras é outro personagem, além do novo presidente, que confunde a população ao prestar esclarecimentos, embora Paulo Massato seja dono de uma sinceridade até perturbadora em coletivas de imprensa.
Nível da Cantareira que desceu nos dados oficiais
Chuvas atípicas nos meses de fevereiro e março ergueram o nível da Cantareira de 5% em janeiro para o atual nível de 15,6%. A Sabesp então passou a divulgar, a partir do dia 17 de março, as estatísticas desconsiderando o uso das duas cotas de volume morto dos reservatórios, água que fica abaixo das comportas de abastecimento.
A estatística caiu de 15,6% para 12%. O problema é que, anteriormente, a subida de nível da Cantareira era constantemente alardeada no noticiário brasileiro sem que essa diferença de mais de 3% no nível real do reservatório fosse mencionada.
As ações da Sabesp operam com o valor superior a R$ 18 e alta de 5% em alguns pregões da Bovespa. Pela alta dos papéis, alguém está ganhando dinheiro com a desinformação, porque um balanço negativo no final do mês pode derrubá-las, o que causará uma venda no mercado aberto.
Novas investigações
O promotor Ricardo Manuel Castro pode abrir novas apurações sobre improbidade administrativa da Sabesp na gestão da crise hídrica, de acordo com fontes ligadas à CPI. Otávio Ferreira Garcia já investiga as obras emergenciais na área de Patrimônio Público do Ministério Público, apurando se há desvios de valores milionários.
O que é possível entender do que ocorreu até agora é: A conta da crise da Sabesp chegou. O valor de R$ 1 bilhão sairá dos cofres públicos, portanto, da população, para pagar o rombo de investimentos que deveriam ter sido realizados há 12 anos.
A ineficiência da Sabesp, que está quase provocando um colapso do sistema Cantareira, não é ocasional. Ela vai gerar um ganho de capital enorme com as empresas que assumirem os projetos de curto prazo para solucionar a crise da água.
A corrupção, portanto, é um bom negócio corporativo dentro da empresa controlada pelo governo Geraldo Alckmin. E quem paga a conta é você.