Eles bloqueiam avenidas, aglomeram-se em manifestação sem comunicar previamente as autoridades, agridem pessoas.
Um carro tenta passar e um de seus ocupantes profere um pensamento divergente e sem ofensas aos manifestantes. É imediatamente cercado por pessoas ensandecidas, raivosas, que espumam enquanto gritam “ladrão”, “filho da puta”, “sua mãe ta na zona”. “Filho da puta” é repetido centenas de vezes. Uma senhora dá um tapa no braço do motorista. Calma, isso não é vandalismo, é gente do bem.
O despautério emitido pelo ocupante do carro havia sido “Não vai ter golpe”. É inaceitável, deve ter recebido pão com mortadela para fazer aquilo.
A cena acima ocorreu na avenida Paulista e foi protagonizada por pessoas que lá se reunem desde quarta-feira da semana passada, mas se repete com uma frequência e intensidade crescentes a cada dia. Os protagonistas são os “vândalos do bem”.
Não se tem um número exato de pessoas, mas 21 barracas estão montadas junto à Fiesp que desde o início os acolheu. No primeiro dia, a entidade forneceu almoço aos manifestantes com filet mignon no cardápio. A fachada iluminada do prédio piramidal tem alternado as frases “Renúncia já” e “Impeachment” todas as noites.
Ontem, domingo, os manifestantes pró-impeachment haviam ganhado banheiros químicos e permaneceram atrapalhando o lazer da avenida e interrompendo a ciclovia vermelha que para eles é sinal inequívoco do comunismo de Fernando Haddad. A faixa destinada às bicicletas está toda pixada com frases como “a ciclovia mais cara do mundo”, “fora PT”, “Lula ladrão”. Calma, pixo assim não é vandalismo, esqueceu?
É só uma manifestação legítima de quem quer um país melhor, praticada por uma turma que na ‘primeira fase’ do protesto ficou lá por mais de 40 horas bloqueando a avenida Paulista. Como? Com total conivência da polícia e do governador que chegou a manifestar-se dizendo que não via problema em dividir a avenida em dois grupos antagônicos na sexta-feira (sendo que no domingo anterior um forte aparato policial foi montado para impedir qualquer aproximação de ‘inimigos’).
Por sorte, alguém parece ter pensado melhor e logo cedo simulou-se uma dispersão (só quem nunca passou por uma para acreditar que aquilo não foi ensaiado). Porém permitiu-se algo surreal: um grupo pequeno ficou na calçada com finalidade exclusiva de provocar os manifestantes que defendiam a democracia e claro, obteve sucesso. Nada que jatos de spray de pimenta sobre os governistas e uma proteção policial aos patriotas não resolvesse.
Ainda naquela noite, após o discurso de Lula que havia levado mais de 300 mil pessoas para a Paulista, um grupo pequeno de governistas tentou ficar em frente à Fiesp. “Se eles podem ficar aqui por 40 horas, então também iremos ficar”, disse um dos idealizadores.
Enquanto ainda debatiam como viabilizar aquilo, um cordão da Rocam veio tocando as motos em cima, seguido por viaturas e de dois caminhões lançando água. A Tropa de Choque brotou sabe-se lá de onde, posicionou-se na calçada e apontou as escopetas em direção a quem esboçasse voltar para a rua. Fim de plano. Às 4 da madrugada o acampamento a favor do golpe já estava refeito e instalado para a ‘segunda fase’.
Com a polícia e a Fiesp nas costas, é natural que esses vândalos sintam-se à vontade para delinquir, pixar, agredir. Curiosamente, esse pessoal é o mesmo que gritava contra o vandalismo, discordava do trancamento de vias, condenava a quebra de uma vidraça de banco. Hoje eles estão na rua ameaçando pessoas, querendo pegar na porrada, arrebentar a cara de quem pensa diferente (a quem possa interessar: por filosofia, black blocs nunca encostam a mão em ninguém).
Essa turma, que de tão maluca e reativa quase linchou um de seus líderes na noite anterior xingando-o de ‘comunista’ (!?!?) porque queria esvaziar a avenida em respeito à manifestação contrária já agendada há tempos, é fruto dessa campanha midiática pelo golpe na qual o raciocínio “os fins justificam os meios” já se estabeleceu.
Isso está muito claro nos cartazes que há meses vinham avisando: “Cunha é corrupto mas está do nosso lado” e no apoio incondicional que dão às repetidas ilegalidades de Sergio Moro. Os cartazes em apoio a Cunha aos poucos foram diminuindo à medida que aumentavam as notícias sobre suas contas na Suiça, mas subtituídos agora pelo ‘Somos todos Moro’. Melhorou?
Essa caça às bruxas fomentada pelas redes de TV e revistas semanais autoriza a adesão ao fim do estado democrático de direito e resulta nesses fascistinhas mal informados que estão sendo induzidos para a guerra. Agora temos esse bando aí de espancadores soltos nas ruas e assistimos a polícia invadir diretórios de partidos e sedes de movimentos sociais de esquerda.
Mas calma. Não são vândalos, é gente de bem. E não é golpe, é que a lei é igual para todos.