O pior pecado depois do pecado é a publicação do pecado.
É uma das minhas frases favoritas. O autor é Machado de Assis.
Ela se aplica à perfeição ao áudio vazado em que Michel Temer festeja, antecipadamente, a vitória do golpe.
Em si, é uma infâmia, um despropósito, uma manifestação de pequenez.
Publicado, o vídeo é ainda pior: é o símbolo da traição de um homem que conseguiu com ele disputar com Eduardo Cunha o título de pessoa mais desprezível da República.
Temer além de tudo é um sem noção.
Ele acha que terá qualquer chance de conciliar os brasileiros? De promover um governo de salvação, do alto de sua majestosa insignificância?
Se sim, não é um caso apenas de traição, mas também de insanidade mental.
Imagine que o golpe afinal vingue.
Temer não terá um minuto de trégua. Os golpistas receberão, em dobro, tudo o que fizeram para atormentar Dilma e impedi-la de governar.
Todos sabem a capacidade do PT como oposição. Tanto mais depois de ser roubado descaradamente.
E a militância, como se comportará?
Greves, protestos se espalharão imediatamente pelo país. Importante: não serão apenas os petistas que sairão às ruas. Todos os progressistas que nas últimas semanas se ergueram contra o golpe farão o mesmo.
Em sua descomunal miopia, Temer talvez imagine que o apoio da Globo e da mídia vá garantir-lhe governabilidade.
Só que a perda de influência da imprensa tradicional é um dado da vida. O Jornal Nacional passou semanas massacrando Lula e eis que, em vez de incinerado, ele surgiu na liderança na corrida presidencial.
Como a Veja, o JN, de tanto abusar da ingenuidade de seus telespectadores, passou a ser acreditado apenas por um grupo limitado. Não convence mais ninguém porque sua credibilidade, como a da Veja, desceu a zero.
Não vai adiantar Temer abrir os cofres públicos para a Globo, o que certamente ocorrerá. A Globo não terá como melhorar sua vida.
É previsível que ocorram choques nas ruas. Policiais militares de todas as partes baterão em manifestantes, mas isso só multiplicará a raiva e a revolta.
Marco Aurélio Mello, um dos raros focos de luz nesta imensa escuridão em que se transformou o país, alertou para o pior. A polícia, incapaz de pacificar o país, pode ser substituída pelos militares.
E então o país poderia voltar a 1964.
É uma distopia brutal, mas não há como ignorá-la.
O mais provável – se o golpe vingar – é que diante do quadro de caos total sejam chamadas eleições presidenciais imediatamente.
E então Temer será forçado a enfrentar as urnas, como um vampiro que enfrenta o sol.
Temer se recolherá, para sempre, ao monturo da história como o bufão traidor que falou em salvar o país sem conseguir sequer salvar a si próprio da miséria e do desprezo eternos.