No princípio era o toma lá, dá, cá. Era assim no Congresso, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais.
– Quanto ou o que eu vou receber para votar os projetos de interesse do Executivo? Que vantagem, afinal, Maria leva?
Parlamentares não se constrangiam de forma alguma diante do mandatário de plantão. Nas grandes cidades a conjuntura era ainda mais agressiva.
Em São Paulo, por exemplo, a Câmara Municipal passou como um rolo compressor por cima de Celso Pitta, o pobre coitado que Maluf legou ao posto de mandatário número 1 da cidade.
Assim foi até a chegada de José Serra, que não queria ser prefeito, mas não tinha para onde correr. Pensando melhor, o palácio Anhangabaú poderia sim ser um trampolim para novos saltos na vida pública.
Por não querer, e ter planos fora dali, o agora prefeito de São Paulo (estamos falando do segundo semestre de 2004) terceirizou a transição para um grupo de apaniguados.
Logo informou que a maior obra da cidade, uma ponte sobre a marginal Pinheiros que serve de cenário para a TV Globo, menina dos olhos da ex-prefeita Marta, tinha projeto mal feito e que teria de ser refeito e portanto iria custar o dobro.
No campo político, o prefeito eleito era só descaso com o poder legislativo. Seu foco de atenção política não estava na Câmara, e sim nas Subprefeituras: Serra e sua equipe então garimparam ex-prefeitos de todo o país loteando não apenas as subprefeituras, mas também bons cargos na Administração. O objetivo era ampliar o raio de ação política para alcançar voos mais altos.
Resultado: Serra foi derrotado logo no dia de sua posse como prefeito da capital, com a oposição vencendo o governo e garantindo a presidência da Câmara Municipal.
Leia mais
1. José Serra não explica investigações, mas comemora vitória do Palmeiras
2. Serra toma decisão sobre seu futuro político e manda recado a PSDB
3. Governo Bolsonaro gasta milhões do Orçamento Secreto em janeiro; Saiba quanto
O agora senador pelo PSDB não se abalou. E teve a ideia brilhante: reeditar, e oficializar, no âmbito da relação Executivo-Legislativo, um sistema que havia dado o que falar anos antes, com os Anões do Congresso: dar a cada vereador da cidade, por meio de emendas parlamentares com dinheiro carimbado, um naco do orçamento público municipal. Com um detalhe: cada parlamentar que enfiasse o montante onde bem entendesse.
Na condição de chefe do Executivo, Serra, na realidade, só queria uma coisa: distância dos parlamentares e dos problemas da cidade.
Por essa razão optou pelo pragmatismo de dividir o Orçamento com a Câmara, atendendo as necessidades dos vereadores sem ter com eles muito contato.
O modelo acabou funcionando e logo foi adotado pela Assembleia Legislativa (Bruno Covas chegou a confidenciar como funcionava a roubalheira das emendas no interior do Estado) e depois para a Câmara dos deputados, até ser aprimorado na era Bolsonaro e ir dar no famigerado Orçamento Secreto.
Na época, Serra, com apoio da imprensa amiga, vendeu a nova prática como algo moderno, republicano.
Deu no que deu, conforme você pode ler abaixo, em matéria publicada nesta segunda, 7, aqui no DCM.
A menção a Serra é apenas um registro para a gente não perder o fio da meada da história. Afinal, nada acontece por acaso.
Centrão empoderado
O Orçamento Secreto marcou a relação do governo do presidente Jair Bolsonaro com o Congresso. Por isso, os principais pré-candidatos de oposição à Presidência têm prometido reduzir ou extinguir o modelo.
Mas líderes partidários na Câmara e no Senado afirmam que o sistema veio para ficar e que próximo ocupante do Planalto não terá apoio para modificá-lo.
Ampliadas no Orçamento desde 2019, as emendas de relator permitem que parlamentares definam a destinação de bilhões de reais de órgãos do governo sem que a autoria do pedido seja pública.
No fim de 2021, a ministra do STF Rosa Weber chegou a determinar a suspensão da execução desse tipo de emenda, exigindo que o governo divulgue os nomes de quem indicou cada alocação orçamentária — o que não vem sendo cumprido integralmente.
Na visão de caciques do Congresso, o orçamento secreto “empoderou” os parlamentares, e não há pretensão de abrir mão do poder conquistado sobre o Orçamento do Executivo.
Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), diz que, ao contrário, a tendência é aumentar a concentração de poder nas mãos dos congressistas.
“Nós estamos desde 2015 num caminho de empoderamento em relação ao Orçamento. Pode o próximo governo propor (uma redução da autonomia do relator-geral)? Pode. Mas é pouco provável. Esse não é o caminho. Esse é um tema que não há o que fazer. O empoderamento só vai aumentar”, diz Barros ao jornal.
Ambição do Legislativo em diminuir os poderes do Executivo na elaboração do Orçamento, como avalia Barros, não é nova, mas foi elevada a outro patamar durante o mandato de Bolsonaro.
À medida que o governo se enfraqueceu, com queda na popularidade, o Congresso se fortaleceu nas negociações do Orçamento, ganhando uma influência inédita sobre a destinação dos recursos.
No ano de 2022, os congressistas terão, por exemplo, cerca de R$ 16,5 bilhões para gastar com emendas de relator. Essa condição foi preservada pelo presidente, que preferiu cortar o dinheiro de outras áreas como Saúde e Educação.
Participe de nosso grupo no WhatsApp clicando neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link