Imagine um robô que arremede o comportamento humano nas redes sociais. Que reproduza aquele humano que, por sua vez, age como um robô. Aquele que sai curtindo e compartilhando publicações, posts, pensamentos, palavras de ordem, sem nenhuma averiguação quanto à veracidade, sem nenhum senso crítico, sem qualquer compromisso com a responsabilidade. Simplesmente vai passando as coisas adiante automaticamente. Um exercício de semiótica de fazer Umberto Eco sacudir a tumba, certo?
Pois foi o que fez a Microsoft ao criar o Tay, um perfil fake que tinha por objetivo pesquisar e compreender as interações entre os perfis de humanos de carne e osso. Mais especificamente com jovens com idades entre 18 e 24 anos. Para a Microsoft, o Tay “é um reflexo do que é passado por ele. Quanto mais conversar com Tay, mais inteligente ele fica, o que faz com que a experiência seja ainda mais personalizada para você”. Resumindo, o Tay iria moldar-se a si mesmo através das interações e buscar popularidade. Um espelho do que seus amigos (os dele) pensam. Quanto a ficar mais inteligente, são outros quinhentos.
O resultado foi que Tay se transformou em um monstro. Ao desenvolver seus conhecimentos a partir das interações que fez com outros usuários, em pouco tempo já emitia comentários racistas, homofóbicos, xenófobos, machistas, e extremamente conservadores (“Nós vamos construir uma muralha, e o México vai pagar por ela”, disparou fazendo eco a um discurso de Donald Trump). Alguns eram de cunho nazista, apoiando um genocídio qualquer. E, claro, teve seu repertório de palavrões bastante enriquecido. Tay xingou a torto e a direito.
Ao se deparar com o Frankenstein que tinha criado, a Microsoft decidiu desligar Tay na última quinta-feira (depois de apenas quatro dias!). Alegou que foi para fazer ajustes e pediu desculpas pelas ofensas emitidas pelo robô através do usuário @Tayandyou.
As equipes de Pesquisa e Tecnologia que desenvolveram a inteligência artificial para interagir no Twitter buscavam “realizar um experimento e conduzir pesquisas sobre a compreensão das conversas”. Mas Tay desapontou-os. Como uma criança sem orientação, virou um radical burro.
“Mas é só um robô”, dirão os céticos. Verdade, Tay é só um robo e foi projetado exatamente para absorver e repetir, mas e o humano que também faz isso? Que replica mentiras e causa vítimas como Leonardo Sakamoto? Está longe de ser raridade.
Anterior ao robô da empresa americana, uma outra experiência realizada pela Universidade da Pensilvânia e registrada em vídeo é estarrecedora sobre o comportamento humano e pode colaborar no entendimento da transformação de Tay.
Em uma sala de espera de uma clínica, todos os presentes estão avisados previamente que, ao ouvirem o som de um bip, devem se levantar por um ou dois segundos e depois sentarem-se novamente. Uma nova integrante chega e é a única que desconhece a regra. Em poucos minutos, um bip toca e todos se levantam. A pessoa a ser observada pelo teste permanece sentada.
No segundo bip ela ainda não entendeu muito bem o que ocorria mas fica intrigada com aquilo. Todos fazem o gesto em silêncio. Ao terceiro toque ela já acompanhava o ritual, sem nada perguntar. E o mais intrigante virá a seguir. O procedimento vai se repetindo enquanto os pacientes são chamados um a um ao consultório, esvaziando a sala. Como última a ter chegado, é natural que seja a última a ser chamada. Porém, quando já se encontra sozinha na sala de espera, novos pacientes vão chegando. Todos, assim como ela, desavisados.
Ao som do bip, ela se levanta. O primeiro vizinho estranha e pergunta o porque daquilo. Ela afirma não saber mas diz que todos estavam fazendo então acredita ser mais prudente manter. No segundo bip o novato também se levanta e isso se repete com todos aqueles que vão ingressando na sala. Ou seja, ao final, a pessoa tinha passado adiante para todo o novo grupo um hábito que ela mesma nem sabia o significado ou utilidade. O estudo pode ser compreendido como de Reflexo Condicionado mas não foi feito com animais. Nada impedia que algum deles questionasse ou mesmo se recusasse a seguir. Afinal, não havia recompensas nem punições.
É uma prova do quanto o ser humano comum está condicionado a replicar hábitos e pensamentos do meio social no qual está inserido. O faz para ser aceito e por se sentir mais seguro. Contestar é para poucos.
As duas experiências podem ajudar a explicar o considerável número de pessoas que estiveram ‘comprando’ a ideia do impeachment. Sairam ecoando o que seus iguais diziam, sem parar para pensar no que viria a seguir, sem conhecer o processo e sua linha sucessória, sem lembrar de Michel Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros e afins.
Explica também seus movimentos de maré: A cada vez que tomam conhecimento das consequências do que pedem, recuam. Então uma nova onda vem e eles acompanham.
Portanto, nos encontros de família de domingo, não perca muito tempo discutindo com aquele parente que já começa o dia homenagenando Sergio Moro e pedindo a cabeça de Dilma. Ele pode ter ouvido um bip ou ser amigo de Tay.