O pentacampeão brasileiro Rafael Leitão nos fala das dificuldades de jogar xadrez profissionalmente no país
Todos os dias, o maranhense Rafael Leitão passa pelo menos 6 horas à frente de um tabuleiro de xadrez, seja estudando o jogo ou dando aula. “E quando sobra tempo”, ele diz, “aproveito para jogar umas partidinhas na internet.” No site do Ministério do Trabalho, se você buscar por “enxadrista” na lista de profissões, o mais próximo que encontrará disso é “operador de tear mecânico de xadrez”.
Mas ao contrário do que o governo diz, existem pessoas no país pessoas que, sim, vivem do jogo. Como Rafael, pentacampeão brasileiro da categoria e maior estrela do xadrez nacional atualmente.
“Pela falta de apoio do governo ao esporte”, diz Rafael, “o enxadrista profissional no Brasil não tem estabilidade financeira alguma. Então se você quer levar o xadrez a sério, precisa viajar o tempo inteiro para a Europa e os Estados Unidos para disputar os grandes torneios.”
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Aos 32 anos, Rafael possui no currículo os mundiais sub-12 (Varsóvia, 1991) e sub-18 (Cala Galdana, 1996). E, desde os 18, ele tem o título máximo do esporte de Grande Mestre. Seu rating atual (o cálculo que define a força de um jogador) é de 2623, o mais alto do Brasil, o que o coloca nas 162ª posição do ranking mundial.
Conversamos com Rafael sobre os temidos enxadristas russos (“já derrotei o Karpov”, campeão mundial entre 1975 e 85), o ouvimos sobre a situação do esporte no Brasil (“estamos longe do mínimo aceitável para que a profissão de enxadrista proporcione rendimentos estáveis”) e pegamos algumas dicas do jogo. Confira a conversa na íntegra abaixo.
Quais são as maiores dificuldades que um profissional do xadrez enfrenta no Brasil?
Como decorrência da falta de apoio do governo, o enxadrista profissional no Brasil não tem estabilidade financeira. Consequentemente, é preciso viajar para os grandes torneios e muitas vezes ficar longos períodos fora de casa, o que não é fácil.
E quanto a patrocínio? É difícil conseguir?
Muito difícil, já que o xadrez não é popular no Brasil. Entretanto, sua inserção nas escolas e sua imagem positiva abrem possibilidades. Mas está claro que ainda estamos longe do mínimo aceitável para que a profissão de enxadrista proporcione rendimentos estáveis.
Como é sua rotina de enxadrista profissional?
Quando não estou viajando, minha rotina é estudar e dar aulas, quase o dia todo. E quando sobra tempo, aproveito para jogar umas partidas na internet, também jogo. Todas as minhas atividades profissionais envolvem o xadrez, seja me preparando para torneios ou dando aulas. Essas atividades me consomem de 6 a 8 horas por dia.
Você tornou-se Grande Mestre em 1998, o título máximo do esporte. Imagino que, para chegar lá, você deve ter estudado intensamente, não?
Foi um período de muito estudo e alguns sacrifícios pessoais. Desde os 7 anos estudo xadrez intensamente. Como eu morava em São Luís (MA), minha rotina de viagens era muito cansativa, já que não havia torneios em minha cidade. Portanto, com 15 anos decidi mudar para o interior de São Paulo. As coisas deram certo e em três anos consegui o título de Grande Mestre.
E esse foi o momento mais feliz da sua carreira, ter alcançado o título de Grande Mestre? Ou algum outro?
Sem dúvida foi quando conquistei o bicampeonato mundial sub-18 de xadrez, em Menorca-ESP 1996. [Antes ele ganhara o sub-12, em Varsóvia.] Mas o dia da última norma de Grande Mestre também foi muito feliz, pois fiquei com a sensação de ter alcançado um sonho.
E algum momento triste?
Quando perdi o título de campeão mundial sub-16, no Brasil, em 1995. Precisava vencer a última partida e tinha uma posição superior, mas a partida terminou em empate. Esse é um dos motivos pelos quais o título mundial, no ano seguinte, foi ainda mais especial.
Você começou a jogar xadrez na década de 80, aos seis anos, quando o xadrez soviético estava em seu auge com a dupla Karpov e Kasparov. Você já teve a oportunidade de enfrentar algum deles?
Joguei com o Karpov numa partida de ritmo convencional em Buenos Aires, no ano 2000. Ela terminou empatada. Em 2004, disputei mais dois jogos com ele, agora no ritmo acelerado [os jogadores têm menos tempo para executar cada jogada]. Dessas, venci uma e empatei outra. Com o Kasparov, infelizmente, nunca joguei, mas já tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente.
Entre todos os campeões mundiais, qual deles você mais admira?
Pela dedicação ao jogo e pelo que representa, o americano Bobby Fischer.
Falando em Bobby Fischer, na sua época o esporte era muito popular, principalmente pela Guerra Fria que existia entre a URSS e os EUA no tabuleiro. A situação mudou muito nos últimos 20 anos?
Sem dúvida. No auge da Guerra Fria, o xadrez tinha grande popularidade na URSS. Essa popularidade diminuiu, mas mesmo assim o jogo é bastante popular na Europa. A maior mudança, entretanto, ocorreu com a informática. Os computadores e a internet revolucionaram o jogo, tanto na forma de aprender, de se preparar ou mesmo de se distrair. Como tudo na vida, algumas dessas mudanças foram boas, outras nem tanto.
E quais dicas você daria para alguém que está aprendendo a jogar agora?
Para jogar bem xadrez é preciso estudar muito. Sugiro estudar especialmente a partida tática do jogo, desenvolver o cálculo e a capacidade de visualizar várias jogadas à frente e escolher um bom clube na internet para praticar.