Publicado originalmente na Rede Brasil Atual
POR VITOR NUZZI
O jurista Fábio Konder Comparato é um dos 20 fundadores da Comissão Arns de Direitos Humanos, que teve seu lançamento formal na última quarta-feira (20), em ato na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, o colegiado foi formado justamente pelo ambiente hostil que se criou, principalmente, com a candidatura do atual presidente Jair Bolsonaro.
Comparato avalia que o mandatário está vendo escapar seu capital político. “Politicamente, não é preciso consultar hoje a opinião pública para saber que o governo Bolsonaro perde rapidamente a estima do povo que o elegeu em 2018”, afirma, em entrevista por e-mail.
Ele critica iniciativas do ministro Sergio Moro e constata a existência de “dois sistemas de direito positivo” no país, conforme o interesse das oligarquias brasileiras.
Durante o lançamento da Comissão Arns, falou-se em “tempos sombrios” e “momento crítico”, entre outras qualificações. Esta é também a sua percepção sobre a situação política do Brasil?
As expressões “tempos sombrios” e “momento crítico” são, a meu ver, compreensíveis se compararmos a atual situação político-econômica com aquela que vivemos durante os dois governos de Lula. Em 2002, o Brasil ocupava a 13ª posição no ranking global dos países, medido pelo PIB em dólares, segundo dados do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Pois bem, em 2011, avançamos para a 6ª posição, à frente, por exemplo, da Grã-Bretanha.
Isto, quanto à situação econômica do Brasil. Politicamente, não é preciso consultar hoje a opinião pública para saber que o governo Bolsonaro perde rapidamente a estima do povo que o elegeu em 2018.
O que o senhor pensa do “projeto anticrime” do governo e do decreto sobre armamento?
O projeto apresentado pelo Sergio Moro, longe de reduzir a criminalidade, só aumenta a população carcerária, além de permitir aos agentes policiais matar impunemente.
E quanto ao projeto de “reforma” da Previdência, apresentado na semana passada?
O projeto procura sem dúvida aperfeiçoar o sistema previdenciário. Mas ele contém vários dispositivos que merecem exame acurado; o que, infelizmente, não ocorrerá nas discussões parlamentares, pois nesse setor a tradição brasileira consiste em procurar cada qual a defesa de seu próprio interesse pessoal.
O senhor teve participação ativa no debate que resultou na Constituição de 1988. Como vê a Carta hoje, sem ser totalmente regulamentada e atacada por alguns setores por ter, segundo afirmam, direitos “demais”?
Devo dizer que não tive participação alguma nos trabalhos de elaboração da Constituição atual, mas reconheço que ela representou um evidente aperfeiçoamento do nosso sistema constitucional. Infelizmente, porém, como acontece sempre entre nós, temos dois sistemas de direito positivo: o oficial, em geral de nível elevado, mas na realidade em grande parte inaplicado, sobretudo quando contrário aos interesses dos oligarcas; e o direito efetivamente posto em prática, em tudo e por tudo de acordo com esses interesses.
Como imagina que a Comissão Arns poderá atuar nesse ambiente hostil aos direitos humanos?
A Comissão Arns foi criada exatamente em razão do ambiente hostil aos direitos humanos, criado sobretudo com a candidatura Bolsonaro à Presidência da República.
O senhor falou sobre a necessidade de trabalhar com a juventude… É uma articulação a ser feita?
Temos todos o dever de atuar em benefício do Brasil de amanhã, que é justamente aquele a ser vivido pela atual juventude.