Citada como referência de país que não praticou o lockdown, a Suécia foi mais uma vítima das mentiras inconsequentes e da desinformação desonesta de Jair Bolsonaro.
Se por um lado o país escandinavo realmente não fechou tudo, também não deixou a circulação totalmente livre. O comércio está funcionando, porém submetido a rígidas regras de distanciamento entre os clientes. E locais que naturalmente concentram grandes volumes de pessoas – como eventos esportivos, museus, universidades – estão fechados.
Nos mesmos discursos irresponsáveis, a informação de Bolsonaro de que houve “poucas mortes” é igualmente falsa. A Suécia tem um índice de letalidade por 100 mil habitantes que é quatro vezes maior que o da vizinha Dinamarca (36,5 contra 9,7).
Para tirar a limpo como está o cotidiano na Suécia, o DCM conversou com Anders Lublin, morador de Estocolmo. O engenheiro que no início dos anos 1970 saiu para fazer uma viagem de motocicleta ao redor do mundo e decidiu interromper o giro quando conheceu o Brasil, viveu por aqui durante algumas décadas. Conhece bem as particularidades dos dois países.
DCM: Na Suécia está realmente tudo aberto e funcionando?
Anders: A resposta é sim e não. A maioria das coisas está aberta e funcionando, mas dentro das regras definidas pelo governo. Os restaurantes estão abertos, mas precisam ter mais espaço entre as mesas. Ficar no bar é proibido. Pré-escolas e escolas do ensino fundamental estão abertas, mas as de ensino médio e as universidades estão fechadas e as aulas são feitas usando a internet. Não há restrições para a indústria, mas algumas pararam de qualquer maneira devido à falta de componentes. Existem também algumas restrições de viagens, é proibido visitar casas de idosos e mais de 50 pessoas não podem se reunir.
Como você analisa essa postura do governo sueco? Acredita que foi a atitude correta? O governo afirmou ter tomado essa estratégia já que mais da metade dos suecos moram sozinhos.
Penso que a maioria acredita que o governo está no caminho certo e isso provavelmente se deve à informação. Todos os dias, às 14:00, as autoridades suecas de saúde têm uma conferência de imprensa aberta, qualquer um pode ouvir pela Internet. Eles recebem muitas perguntas difíceis, mas são capazes de dar boas respostas baseadas na ciência. Isso dá confiança.
Por que o número de mortos por milhão de pessoas é tão alto? Dados do Escritório de Estatísticas do país revelados nesta segunda-feira mostraram que mais suecos morreram em abril do que em qualquer mês anterior desde dezembro de 1993. O governo alega que isso se deve aos asilos. É verdade?
Eles demoraram um pouco em reagir aos sinais sobre a Covid-19. Deveriam ter comprado materiais antes. E também existem falhas estruturais na forma como cuidamos dos idosos. Isso era parcialmente conhecido, mas havia sido empurrado para debaixo do tapete em favor de algum projeto no qual o governo gastava dinheiro. Se alguém quiser investigar, é claro que encontrará erros.
Como está a situação nos hospitais?
A situação nos hospitais está e sempre esteve sob controle. Sempre houve mais vagas do que pacientes. No momento estão diminuindo o número de leitos novamente devido à falta de pacientes. O problema está na comunicação entre os hospitais e o atendimento aos idosos.
Você está trabalhando em sistema home-office? Houve uma adesão em massa a esse método? Na Suécia a internet deve ser bem melhor do que no Brasil.
Quando trabalho, é de casa. Eu tenho uma conexão de 100 MB, o que é bastante comum. Não sei ao certo, mas acho que quase 90% têm isso. Por um pacote com internet, telefone, canais de TV, pago cerca de 30 dólares por mês, valor que qualquer um aqui pode pagar. A maioria das pessoas têm um trabalho que pode ser feito a partir de casa.
Você viveu durante muitos anos no Brasil, quais diferenças entre os dois países ressaltaria?
Daria para escrever um livro inteiro sobre isso. Vou apenas tocar em alguns pontos importantes. Corrupção e nepotismo não são aceitos na Suécia em nenhum grau.
Vou dar um exemplo: o candidato a primeiro-ministro do principal partido daqui comprou uma barra de chocolate usando o cartão de crédito institucional do governo. Esse foi o fim de sua carreira. Algo como favorecer parentes, por exemplo, seria suicídio político, além de ser possível apresentar queixa criminal.
Outro aspecto é a relação entre governo e povo. Pagamos para nos servir, eles não estão nos fazendo um favor pelo trabalho deles.
Aqui a maioria dos documentos pode ser examinada por qualquer pessoa. O principal é que tudo é público, a menos que haja uma forte razão em contrário. Isso nos faz confiar no governo.