PUBLICADO NO TIJOLAÇO
POR FERNANDO BRITO
O reconhecimento oficial de que um disparo de míssil feito pela defesa aérea do próprio Irã foi o causador da queda do Boeing da Ucrânia que havia acabado de levantar voo de Teerã é, até agora, a maior derrota do governo iraniano, interna e externamente.
Externamente, porque o faz, no final das contas, responsável pelos danos mais extensos da recente escalada dos conflitos e traz para si a condenação mundial, que , do contrário, estaria voltada apenas para a agressão aventureira dos EUA.
Além disso, põe em xeque a capacidade iraniana de defender-se, com um mínimo de eficiência, de eventuais ataques externos: afinal, trata-se de um fiasco inadmissível para baterias de mísseis designadas para proteger Teerã e com um alvo muito próximo, que jamais poderia ter gerado um erro tão grosseiro de leitura de seus sistemas de radar.
Grosseiro tanto sob o ponto de vista técnico – proximidade do alvo, tamanho do objeto no sinal de radar, trajetória ascendente – quanto sob o aspecto da coordenação miliar: se era esperada (e devia ser) uma retaliação norte-americana com mísseis, a suspensão do tráfego aéreo era providência mais que obrigatória, deixando a varredura dos radares “limpa” de aeronaves civis.
O presidente do país, Hassan Rouhani, fez um comunicado envergonhado, que prenuncia uma crise dentro do comando militar do país:
Esse doloroso acidente não é algo que pode ser facilmente esquecido. É necessária uma investigação mais aprofundada para identificar todas as causas e raízes desta tragédia e processar os autores deste erro imperdoável e informar o povo honrado do Irã e as famílias das vítimas sobre o assunto. Também é necessário adotar as providências e medidas necessárias para lidar com as fraquezas dos sistemas de defesa do país para garantir que esse desastre nunca se repita.
Repare: o núcleo da mensagem está nas palavras “erro” e “fraquezas”. Duas condições inaceitáveis para um país que se diz capaz e forte militarmente. E a nítida impressão de que haverá uma “degola” dos oficiais responsáveis pela decisão de disparar os mísseis.
Outra conclusão grave, se é verdadeiro – como parece ser – que a liderança política do país demorou dias para saber da verdade é a de que a cumplicidade de seus sistema militar com a origem de um acontecimento grave se superpôs à autoridade do Governo, mantido vários dias em declarações de inocência que, agora, revelaram-se ridículas.
Ficaram, os líderes do governo, no papel de tolos ou, pior, de mentirosos.
O caso vai inibir, em princípio, qualquer outra ação militar do Irã, porque o coloca em uma posição de isolamento bem pouco defensável diante da comunidade internacional.
Curiosa e tragicamente, foi do Irã o disparo mais preciso contra o seu próprio regime.