Conheça a trajetória do chefe do gabinete paralelo, o ex-comunista Osmar Terra

Atualizado em 3 de julho de 2021 às 17:26
Outrora comunista, deputado é hoje apontado como chefe do “ministério paralelo” de Bolsonaro. (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Originalmente publicado em DE OLHO NOS RURALISTAS

Por Mariana Franco Ramos

Em março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertava que enfrentávamos uma pandemia global, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) previa que a Covid-19 seria menos letal que a H1N1 no Brasil. Começava ali uma rotina de propagação de notícias falsas e de informações sem comprovação científica, que até hoje alimenta o negacionismo e a morte.

“A gripe suína matou 2 pessoas a cada dia no Brasil em 2019”, escreveu ele, no Twitter. “Este número deve ser maior que as mortes que acontecerão pelo coronavírus aqui”, completou. “E não se parou o país nem se destruiu a economia, como está acontecendo agora”. Terra finalizou com a frase: “É o fato e a versão do fato”. A postagem continua no ar até hoje.

A comparação com o vírus que, em 2009, tirou a vida de 2.060 brasileiros tinha um objetivo claro: atacar os governadores que adotavam medidas de restrição, fundamentais para frear a transmissão da Covid.

Quinze meses depois, o país ultrapassa 520 mil mortes e a média-móvel diária ainda se mantém na faixa de 1.700. A insistência no uso da cloroquina e da hidroxicloroquina — remédios que, além de ineficazes, são prejudiciais no tratamento da doença —  e no isolamento apenas de idosos e de pessoas com comorbidades (o tal grupo de risco) contribuiu para acelerar o colapso.

DEPOIS DE VOTAR PELO IMPEACHMENT DE DILMA, ASSUMIU MINISTÉRIO DE TEMER

Osmar Terra votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2016, ignorando as falas de Bolsonaro sobre o torturador de sua ex-companheira, Mônica Tolipan. E, em agosto de 2017, foi favorável ao arquivamento da denúncia de corrupção passiva de Michel Temer, posicionamento seguido pelos demais correligionários no Rio Grande do Sul: Alceu Moreira, Darcísio Perondi, José Fogaça e Mauro Pereira. Este observatório mostrou a conexão entre os votos ruralistas, o impeachment de Dilma e a manutenção de Temer no poder: ““Frente Parlamentar da Agropecuária compôs 50% dos votos do impeachment e 51% dos votos para manter Temer“

Alçado ao Ministério do Desenvolvimento Social no governo Temer, recebeu, apenas alguns dias após o golpe no Senado, a visita do então presidente da FPA, Marcos Montes Cordeiro (PSD-MG), que ocupa hoje, no governo Bolsonaro, a secretaria executiva do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), comandado por Tereza Cristina.

Nessa época, sua postura já era bem diferente daquela apresentada nos tempos de militância. Em entrevista ao Estadão, ele declarou guerra ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e ameaçou retirar investimentos na reforma agrária. “Se estiverem usando as verbas públicas para serem eficazes, tudo bem”, comentou. “Mas se for só agitação contra o governo, guerra é guerra. Cada um vai usar as armas que tem e as nossas são as verbas”. Desde então, nenhuma família foi assentada no país.

Terra também promoveu uma série de cortes no setor de assistência social. De acordo com reportagem do jornal Brasil de Fato, 4,4 milhões de famílias foram excluídas do programa Bolsa Família no período. No governo Bolsonaro, o gaúcho permaneceu como ministro da Cidadania, resultante da fusão dos ministérios da Cultura, do Esporte e do Desenvolvimento Social, até 14 de fevereiro de 2020. Substituído por Onyx Lorenzoni (DEM-RS), retomou ao cargo de deputado federal, como um dos principais nomes da Bancada da Covid.

POLÍTICO RECEBEU LÍDER RURALISTA NO MINISTÉRIO, DIAS APÓS O GOLPE

Osmar filiou-se ao MDB em 1986 e assumiu a superintendência do antigo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). No órgão, criou um serviço de atendimento médico aos acampados na Fazenda Annonni, primeira ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no estado. Foi prefeito do município do noroeste gaúcho de 1993 a 1996, secretário de saúde do governo Yeda Crusius (PSDB) e, finalmente, deputado federal.

Em 2014, ele arrecadou R$ 954 mil e suas maiores doadoras foram a JBS, com R$ 200 mil, e a construtora Odebrecht, com R$ 190 mil. A Gerdau também se destaca como contribuinte relevante nas campanhas de Terra: foram R$ 142 mil em 2014 e R$ 50 mil em 2010, somando R$ 192 mil, como mostrou reportagem da Folha.

Até entrar no governo Bolsonaro, o deputado constava como membro oficial da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a face mais organizada da bancada ruralista no Congresso. Ele faz parte de um grupo mais fisiológico, que não declarou grandes propriedades, nem está vinculado diretamente ao lobby do agronegócio, mas é fiel nos posicionamentos e votações. Hoje, seu nome não aparece mais no site da frente.

O político é um dos raros casos que perdeu bens, ao menos os registrados em seu nome. Segundo prestação de contas feita ao Superior Tribunal Eleitoral (TSE), em 2006 ele possuía patrimônio de R$ 134.000,00. Em 2018, último pleito que disputou, declarou R$ 48.938,68.

Na Câmara, Terra começou a adotar posturas mais conservadoras, como a defesa da internação compulsória de usuários de drogas ilícitas e da extinção do regime semiaberto nas prisões. Ele também é contrário à legalização da cannabis e ao uso medicinal da substância. A “guerra às drogas” é uma de suas principais bandeiras e outro ponto em comum com os ruralistas.

PESQUISA MOSTRA QUE ELE É RECORDISTA EM NOTÍCIAS FALSAS SOBRE A PANDEMIA

De acordo com uma pesquisa feita pelo Radar Aos Fatos em abril de 2020, Osmar Terra foi o parlamentar que mais divulgou notícias falsas sobre a pandemia. A análise considerou os 1.500 tweets sobre o assunto com mais interações publicados por membros do Congresso (incluindo suplentes e licenciados) entre 20 de fevereiro e 08 de abril. No total, foram encontradas 159 postagens com desinformação veiculadas por 22 políticos e que somavam cerca de 1,58 milhão de interações no período.

Terra foi, sozinho, responsável por 38 desses posts (23,9%) e 522.485 dessas interações (32,9%). Um deles, de que a quarentena aumentaria os casos de infecção, recebeu um aviso de restrição da plataforma. “À medida que a pandemia evolui, queremos garantir que estamos usando nosso aviso para manter um registro público, oferecendo às pessoas mais contexto sobre o que seus líderes estão dizendo e garantindo que eles sejam capazes de se responsabilizar por seus comportamentos”, informou o microblog, em nota.

Apesar do aviso, o texto também não foi apagado. A estratégia foi a mesma adotada com o presidente Bolsonaro e com o pastor Silas Malafaia, outros costumeiros disseminadores de notícias falsas.

O alerta tampouco serviu para frear o ímpeto negacionista dos bolsonaristas. Em junho do ano passado, o emedebista escreveu que a curva de contágio já teria passado pelo pico e voltou a estimular aglomerações. “A trajetória do vírus ignorou a quarentena, não achatou curva alguma”, afirmou. “Epidemia termina em junho”.

As previsões equivocadas e anticientíficas lhe renderam apelidos pejorativos, como “Osmar Trevas“, “Osmar Terra Plana”, “Osmar Erra” e “Osmar Enterra”, o último diretamente relacionado à matança que ele ajuda a alimentar. Em 13 de novembro de 2020, o próprio deputado divulgou ter testado positivo e aproveitou para, mais uma vez, fazer apologia ao falso tratamento precoce, em detrimento da compra de vacinas. Ele chegou a ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com quadro grave de inflamação nos pulmões, mas se recuperou.

Atualmente apontado como organizador do “gabinete paralelo” de orientação ao presidente sobre a crise sanitária, o político admitiu, em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no dia 22 de junho, que errou nas projeções sobre mortes e duração da pandemia. Entretanto, voltou a multiplicar mentiras. “Eu sou uma pessoa que tem opinião e, como deputado, eu tenho obrigação de dar opinião”, afirmou, aos senadores. “Senão nem justifica eu ser político, ter mandato”.

Além de relativizar declarações anteriores, Terra disse que “nunca falou de imunidade de rebanho”, o que não é verdade, e que apenas constatou que ela se dá ao fim das epidemias. Conforme levantamento feito pela GloboNews, o ex-ministro se reuniu com Bolsonaro ao menos dezessete vezes desde março de 2020 e foi uma das primeiras autoridades a lançar a tese da contaminação generalizada como forma de se alcançar a imunização coletiva.

PARLAMENTAR IGNORA MATANÇA E DIZ TER ORGULHO DO GOVERNO BOLSONARO

Por seus posicionamentos negacionistas, Osmar Terra chegou a ser cotado para o lugar do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, antes da escolha pelo general Eduardo Pazuello.

Em maio de 2020, ele entrou em conflito com Mandetta e com outros ex-aliados, inclusive do MDB gaúcho. O presidente do partido no Rio Grande do Sul, Alceu Moreira, usou o termo “imbecil convicto” ao se referir a pessoas que fizeram previsões equivocadas sobre o avanço da doença. Na postagem, disse ter pena de quem mantém esse tipo de postura. Mesmo sem ser citado nominalmente, Terra reagiu e rebateu: “Não estás tratando com um moleque”.

O deputado exerce atualmente o sexto mandato consecutivo na Câmara. Em resposta ao jornal Zero Hora, que publicou reportagem sobre seu passado político, o chefe do gabinete paralelo afirmou que deixou a militância de esquerda porque foi, com o passar dos anos, “aprendendo com a vida que as pessoas de boa-fé, que querem honestamente melhorar o mundo, podem ser vítimas de ideias erradas e da manipulação de líderes inescrupulosos”.

E garantiu ter orgulho de fazer parte do governo Bolsonaro: “Não há contradição, mas sim convicção de que essas propostas hoje são as melhores para o país”.

EX-COMPANHEIRA FOI TORTURADA POR ÍDOLO DE BOLSONARO DURANTE A DITADURA

Nascido em Porto Alegre, em 1950, Osmar Gasparini Terra chegou a coordenar o Diretório Central dos Estudantes (DCE) Livre da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) durante a ditadura de 1964. Formou-se em Medicina, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e passou a combater o regime, sob o codinome “César”.

Na militância, ele conheceu a então estudante de psicologia Mônica Tolipan, com quem se casou e teve dois filhos. Mônica foi presa três vezes e, após uma passeata de mais de 6 mil estudantes, torturada por Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo do presidente — homenageado durante a votação do impeachment — e torturador de Dilma Rousseff. Em 2008, mais de trinta anos depois dos fatos ocorridos, o coronel tornou-se o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira por sequestro e tortura.

O casal se mudou para São Paulo e, na sequência, se exilou em Buenos Aires. “Quando voltei, depois da anistia, continuei estudando, trabalhando, mas não era a mesma profissional”, contou Mônica em 2013, durante a Caravana da Anistia, evento promovido pelo Ministério da Justiça que relembrou mulheres perseguidas pelo regime militar. “A ditadura havia conseguido muito mais, havia conseguido nos calar muito mais do que nós imaginávamos”, disse. “O trauma era muito maior”.

Os dois voltaram ao Rio Grande do Sul, mais especificamente a Santa Rosa, nos anos 80, e se separaram. A psicóloga é viúva do jornalista Fausto Wolff, morto em 2008, que integrou a equipe do jornal Pasquim. Ela conseguiu se formar apenas em 1982, quando o presidente era João Baptista Figueiredo, aquele que preferia cheiro de cavalo ao cheiro do povo.