Balzac foi, todos sabemos, um contador excepcional de histórias. Os romances que fazem parte de sua monumental Comédia Humana falam por si. Uma faceta menos apreciada de Balzac foi seu talento para construir frases provocativas, agudas, divertidas. Se você lê Balzac com uma caneta para anotar as melhores passagens vai rabiscar quase todo o livro. As frases abaixo foram extraídas de Ilusões Perdidas. Ao contrapor a história oficial à história real Balzac, mais que tudo, está dizendo como é frágil – e frequentemente injusta – a glória dos assim chamados grandes homens.
Monsieur, como o senhor classificaria a história que é ensinada nos colégios?
Há duas histórias: A história oficial, mentirosa, que é ensinada, e a história secreta, na qual estão as verdadeiras causas dos acontecimentos. É uma história deveras vergonhosa.
O senhor nos forneceria algum exemplo?
Naturalmente. Deixe-me contar, em três palavras, uma história que aposto que os senhores não conhecem. Um padre jovem e ambicioso quer entrar nos negócios públicos e torna-se o sabujo do favorito, o favorito de uma rainha; o favorito passa a ser seu benfeitor e lhe confere a condição de ministro, oferecendo a ele um lugar no Conselho. Uma noite, um desses homens que acreditam estar prestando um serviço (jamais preste um serviço que não lhe pedirem) escreve ao nosso jovem ambicioso que a vida de seu benfeitor está ameaçada. O rei se zangou com ele e no dia seguinte está decidido a matá-lo caso vá ao palácio. Nosso homem pensou: “Se o rei chegar a praticar esse crime, meu benfeitor estará perdido. Devo alegar que recebi essa carta tarde demais”, e foi dormir até a hora em que se matou o favorito. Esse homem se chama Cardeal de Richelieu.
Interessante.
Pois eu não tinha razão de lhe dizer que a história ensinada nos colégios é uma coleção de datas e fatos, antes de mais nada exageradamente duvidosa, e sem o menor alcance? De que serve saber que Joana d’Arc existiu?
Ora! O que Joana d’Arc tem a ver com isso, Monsieur?
Um dia, a França está praticamente conquistada pelos ingleses, o rei não tem mais do que uma província. Do seio do povo duas criaturas se erguem: uma pobre moça, essa mesma Joana d’Arc de quem falamos; e um burguês chamado Jacques Coeur. Uma dá seu braço e o prestígio de sua virgindade, o outro dá seu ouro: o reino está salvo. Mas a moça é presa!… O rei, que pode muito bem resgatá-la, deixa que seja queimada viva. Quanto ao heroico burguês, o rei o deixa ser acusado de crimes capitais por seus cortesãos, que ficam com todos os seus bens.
Parece que a humanidade está realmente perdida, Monsieur de Balzac… Nesse caso, o que podemos fazer para obter sucesso e prosperidade em um mundo tão estranho?
Esconda o avesso de sua vida e apresente um direito brilhantíssimo. A discrição é a divisa dos ambiciosos; faça com que seja a sua. Os grandes cometem quase tantas covardias quanto os miseráveis; mas as cometem na sombra e arvoram suas virtudes: e continuam a ser grandes.
Monsieur, os grandes homens fizeram uso de tal artifício?
Naturalmente. Podemos estar falando dos Médici, de Richelieu ou de Napoleão no início de suas ambições; essas pessoas avaliaram que o próprio futuro deveria ser pago pela ingratidão, pela traição e pelas mais violentas contradições. Quem quer tudo deve ousar tudo.