O governo brasileiro confiscou o envio de 50 respiradores comprados pelo Ministério da Saúde do Paraguai de uma fabricante nacional no início do mês de abril.
A retenção dos equipamentos foi classificada de sequestro por autoridades paraguaias que buscam alternativas para reverter a decisão com a intermediação do Mercosul.
“Esse golpe de Bolsonaro de nos roubar 50 respiradores é uma atitude miserável de um vizinho rico contra o vizinho pobre, só pode vir de um déspota, carente de solidariedade e empatia social. Esses respiradores podem salvar a vida de muitos paraguaios”, afirma a deputada Celeste Amarilla, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA).
A compra foi bloqueada e o dinheiro devolvido ao Ministério do Paraguai, embora a lei aprovada pelo Congresso brasileiro proibindo a comercialização de respiradores e equipamentos de proteção sanitária para fora do Brasil sob o marco da pandemia não tenha sido ainda sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.
O Ministério da Saúde do Brasil alega cumprir determinações do decreto emergencial que veta a exportação de determinados itens, incluindo os respiradores, mas não informa o destino da carga.
“Trata-se de mais um episódio lamentável da anti-diplomacia praticada atualmente pelo Brasil. Deve haver urgência para que os países da América Latina estabeleçam acordos de cooperação. Não há como atacar a pandemia isoladamente sem pensar nos vizinhos, precisamos superar essa crise no plano regional. As questões humanitárias devem estar acima das comerciais”, avalia a deputada federal Maria do Rosário, uma das representantes do Parlasul.
Sem acesso ao mar, o Paraguai depende da coordenação com os vizinhos de fronteira, especialmente Brasil e Argentina, para garantir acesso a produtos sanitários em meio à urgência conforme documento apresentado pelos representas do país ao Mercosul.
“Como país sem litoral marítimo o Paraguai depende do ingresso de produtos importados em portos de nossos sócios do Mercosul (…) Houve um sequestro e abuso por parte do Brasil, atentando contra os direitos humanos situação que arrisca a sustentação da cooperação regional”.
Diante do impasse para garantir equipamentos e insumos, o governo anunciou a prorrogação da quarentena enquanto tenta acelerar a preparação de leitos e unidades de terapia intensiva diante de um sistema de saúde precário e posto à prova diante da mais grave epidemia de dengue registrada no país ao longo dos últimos meses.
Até o início do dia reportavam-se 147 casos de coronavírus e seis mortes, dados que podem estar subnotificados por conta da falta de testes.
“Devido ao atraso na chegada de equipamentos de bioseguridade para os profissionais da saúde se reeditará o decreto o qual estabelece restrições mais amplas da quarentena total, com limitadas exceções”, anunciou por meio de sua conta no Twitter o presidente paraguaio Mario Abdo Benitez.
O líder mantém uma posição de proximidade com o presidente Jair Bolsonaro, que se refere ao chefe do executivo como Marito, em alusão à proximidade ideológica de ambos.
No ano passado, Mario Abdo quase foi afastado do cargo por conta da renegociação do contrato de Itaipu cujas cláusulas seriam lesivas ao povo de seu país em detrimento de interesses de empresários brasileiros que seriam próximos à família Bolsonaro – à época o suplente do Major Olímpio, Luiz Giordano, viajou à Assunção para participar das reuniões – o caso segue sob investigação.
“Que nosso presidente se necessário apele para a intimidade que tem com Bolsonaro, estamos esperando por sua reação. O Brasil não respondeu se esse confisco tem um destino previsto, tudo que sabemos é que foi uma ordem do poder executivo. Há uma questão humanitária, além disso foi uma requisição legítima dentro dos critérios do comércio internacional”, adverte o advogado Leonardo Gómez Berniga.
“Trata-se de uma ofensa ao povo paraguaio, se sofrermos com essa pandemia de forma brutal toda a região será afetada. O Brasil tem dívidas históricas conosco pela Guerra do Paraguai, por Itaipu e a agora novamente com essa postura inaceitável”.
Outra preocupação dos cidadãos reside no controle nas fronteiras entre os países, tradicionalmente movimentada e não somente na conhecida Ponte de Amizade.
“Os brasileiros passam com seus aviões privados sem nenhuma fiscalização, os pecuaristas do norte de Chaco vão de Campo Grande à Assunção e não sabemos se estão levando e trazendo o vírus”, denuncia a deputada Amarilla.
“Estamos todos sob a mesma tempestade, mas não no mesmo barco. Há os que aproveitam esse período para ir a suas casas de férias enquanto outros não podem aguentar a quarentena”.
Nesse ponto a resposta paraguaia à crise no terreno econômico se assemelha muito à incapacidade do executivo brasileiro em garantir meios de sobrevivência digna à massa de trabalhadores informais ou desempregados.
O subsídio às camadas mais vulneráveis da população em valores inferiores ao cem dólares são insuficientes e o repasse demora a chegar às mais de 350 famílias cadastradas, afora outros segmentos que também aguardam ações de proteção social.