Crise, Covid-19 e falhas fazem suicídios com remédios crescerem 264% em 20 anos

Atualizado em 31 de julho de 2024 às 0:40

 

Em 20 anos, o suicídio por autointoxicação aumentou 264% no país. Reprodução

Um estudo publicado no início de julho na revista científica Frontiers in Public Health aponta o aumento de 264% nas taxas de suicídio por autointoxicação intencional por medicamentos no Brasil, comparando os anos de 2003 e 2022. Com informações da Veja.

Diferente do perfil geral das vítimas de suicídio, os óbitos por overdose proposital de remédios foram majoritariamente de mulheres (55,5%), pessoas de 30 a 49 anos (47,2%), de raça/cor branca (53,2%) e na Região Sul (22,8%).

Em entrevista exclusiva, Jesem Orellana, doutor em Epidemiologia, chefe do Legepi e coordenador da pesquisa, atribui esse aumento “explosivo” às crises político-econômicas que o Brasil enfrentou desde 2015/2016 e, mais recentemente, à pandemia de Covid-19.

“Há uma vasta literatura mostrando que, em momentos de instabilidade política e econômica, guerras e desastres naturais, quando o sofrimento da população aumenta, muitas pessoas desistem de viver”, explica. “Isso parece justificar o cenário alarmante no Brasil a partir de 2015/2016 em relação às mortes por autointoxicação intencional medicamentosa.”

Além das crises, Orellana aponta falhas na fiscalização e regulação da venda de medicamentos e no treinamento de profissionais, especialmente em emergências.

Jesem Orellana, doutor em Epidemiologia, coordenador da pesquisa sobre autointoxicação intencional. Reprodução

FISCALIZAÇÃO E REGULAÇÃO NA VENDAS DE REMÉDIOS

De acordo com a pesquisa, 40,4% dos óbitos por suicídio por autointoxicação intencional envolvem medicamentos de circulação restrita, que requerem prescrições especiais, como antiepilépticos, sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e outros psicotrópicos. Outros 54,8% envolvem medicamentos não especificados, ou seja, qualquer remédio ou drogas sintéticas ou semissintéticas, vendidas livremente.

Esses dados são preocupantes devido às condições limitadas de vigilância hospitalar e epidemiológica em relação à intoxicação. “Há incertezas sobre o tipo de substância utilizada”, destaca o pesquisador, ressaltando a importância do preenchimento adequado da causa da morte nas declarações de óbito no sistema de informações sobre mortalidade no Brasil.

Outro problema é a falta de fiscalização e regulação das vendas de remédios. “Em qualquer farmácia, você pode comprar uma cartela de paracetamol, ou 15 cartelas, sem controle, apesar da toxicidade em altas doses”, alerta.

Apesar das crises econômicas, o varejo de medicamentos tem crescido significativamente no Brasil, com receitas recordes. O setor também tem aumentado as vendas on-line, promovendo ofertas especiais, como a compra de duas caixas de medicamentos com a terceira de graça.

Para agravar a situação, há falta de controle na distribuição e uso de medicamentos em hospitais e unidades de saúde, e um déficit significativo de psiquiatras no Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede suplementar, nos planos de saúde.

Devido à alta demanda, muitos psiquiatras prescrevem medicamentos para tratar transtornos mentais comuns, como depressão e ansiedade, mas não conseguem acompanhar regularmente os pacientes. Na prática, prescrevem remédios para dois ou três meses de tratamento, e em casos excepcionais, até seis meses. “Precisamos prestar mais atenção em como os medicamentos são comercializados e prescritos nos consultórios médicos”, diz o pesquisador.

Orellana observa que o Brasil está entre os países que puxam para cima a curva de suicídios na América Latina nos últimos cinco ou seis anos, e é urgente enfrentar esse problema.

Além de maior controle e fiscalização dos medicamentos, o epidemiologista defende investimentos na qualificação de profissionais e em estruturas de suporte psicossocial, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Ele também destaca a necessidade urgente de melhorar o treinamento de profissionais em unidades básicas de saúde (UBS) e emergências. “Muitas pessoas chegam intoxicadas, em sofrimento psíquico ou social, e são atendidas de forma inadequada”, afirma. “Sem uma equipe treinada para identificar esses pacientes, oportunidades de resgate e acolhimento são perdidas”, lamenta.

Os dados são claros. Estamos diante de uma “epidemia silenciosa” que tem ceifado milhares de vidas. Apesar dos avanços na atenção à saúde mental no Brasil nas últimas décadas, ainda há muito a ser feito.

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