As Forças Armadas veem a investigação da Polícia Federal (PF) sobre um esquema de espionagem ilegal na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) como uma oportunidade para retomar o controle das atividades de inteligência. A informação é da Intercept Brasil.
A crise impulsionou os militares a reinvestir na criação da Agência Nacional de Segurança Cibernética (ANCiber), vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
O projeto foi debatido na caserna desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e enviado para análise da Casa Civil no ano passado. Após meses de estagnação no Palácio do Planalto, membros das Forças Armadas estão mobilizando esforços para impulsionar o projeto, aproveitando a crise na Abin.
Especialistas e integrantes do governo apontam que uma agência dedicada ao tema é uma iniciativa positiva, mas veem problemas no formato proposto pelo GSI. Agentes da Abin expressam desconforto, alegando que vincular a agência ao órgão representa uma tentativa de “remilitarização” de suas atribuições.
O GSI, por sua vez, nega a militarização. “Todos os setores da sociedade atuantes na proteção cibernética e manutenção da resiliência nacionais agiriam de forma sinérgica e coordenada pela ANCiber, inclusive com a contribuição do setor militar”, disse o órgão. “Cada um desses atores nacionais possui responsabilidades e atuação perfeitamente delimitadas, especializadas e dimensionadas em suas competências e capacidades”.
O ministro-chefe do GSI, general Marcos Antônio Amaro, que comandou um ministério no governo Lula, sempre defendeu uma visão militarizada da inteligência de estado.
Outros órgãos expressaram preocupações com as atribuições propostas pela ANCiber. A secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Estela Aranha, defende a criação da agência, mas cobra sinergia da futura agência com outros órgãos do Executivo.
Um estudo do International Institute for Strategic Studies (IISS) destacou preocupações sobre a segurança cibernética no Brasil, colocando o país na “Categoria Três” em termos de poder cibernético – o nível mais baixo entre os países analisados. O impacto das Forças Armadas na estratégia de segurança cibernética tem prejudicado a função coordenadora da Abin.
Os autores destacam que, embora o Brasil possua uma infraestrutura avançada de Tecnologia da Informação e Comunicação, uma economia digital sólida e uma infraestrutura de resposta a incidentes cibernéticos confiável, a ausência de uma arquitetura adequada cria deformações que comprometem o nível de segurança cibernética do país.
O estudo ressalta a predominância militar nos quadros do GSI. “Embora de natureza civil, o GSI tem sido tradicionalmente dominado pelas Forças Armadas, composta por cerca de 70% de pessoal militar, e seus últimos três diretores eram ex-oficiais do exército”, disse um dos trechos.
Segundo a pesquisa, o impacto das Forças Armadas na estratégia de segurança cibernética do Brasil tem ofuscado o papel da Abin como coordenadora principal e força unificadora nos esforços de segurança cibernética, tanto no setor público quanto no privado.