Por Raquel Miura
Durou muito pouco a retórica do governo brasileiro de que a passagem do presidente Jair Bolsonaro pela Rússia seria prenúncio de paz. A viagem virou um pepino para a diplomacia brasileira e chacota em várias línguas pela falta de timing sobre o momento histórico.
Certo é que as relações exteriores do Brasil e do mundo, bem como analistas e políticos, acompanham atentos a essa escalada de tensão na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia e a pergunta que a população faz é se há risco de uma guerra mundial. Reflexos mundo afora já são sentidos, como no câmbio, com a queda do dólar frente ao real na terça-feira (22).
O analista Vicente Ferraro, mestre em Ciência Política e pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da USP, disse à RFI que um conflito armado em escala mundial colocaria em risco todo o planeta, porque os Estados Unidos e a Rússia são potências nucleares e, enquanto o primeiro pode pressionar países ocidentais, o segundo tem entre seus parceiros a China.
Mas, segundo ele, a guerra seria desvantajosa para ambos os lados, principalmente por causa dos custos financeiros de um conflito, além da perda de vidas. No caso da Rússia, haveria aumento da presença da Otan na região, justamente o que Putin não quer.
“Eu acredito que os países do ocidente estão dispostos a reagir, mas não militarmente, com exceção do envio de alguns armamentos para o governo ucraniano. Um apoio militar direto é algo impensável, mesmo porque isso incorreria em uma guerra mundial entre duas potências nucleares, uma guerra envolvendo possivelmente Estados Unidos e a Rússia. Mas haverá tentativas de isolar a Rússia economicamente e diplomaticamente. A questão é saber qual seria o alcance desse esforço do Ocidente contra a Rússia. Lembrando que a Rússia tem ligações fortes com China, com os Brics e com alguns países do Oriente Médio”, diz.
Leia também:
1; Ucrânia decide decretar Estado de Emergência no país
2; Tensão: Ucrânia pede que cidadãos evacuem da Rússia ‘imediatamente’
2; Seis feridos e uma morte: Ucrânia revela bombardeio separatista
Mundo pós-pandemia
A situação econômica do mundo pós-pandemia também entra no cálculo, avalia Ferraro. “É complicado porque a Rússia fornece 1/3 do gás para a Europa e há muitos países enfrentando o problema da inflação. Também vem da Rússia 10% do petróleo consumido no mundo e muitos economistas já dizem que não é possível substituir esse fornecimento.”
O especialista lembra que, mesmo dentro do Ocidente, não há um consenso sobre quais sanções devem ser adotadas. “Por exemplo, a questão do desligamento da Rússia do sistema Swift de pagamentos internacionais. É uma medida considerada muito drástica. E o problema de se adotar medidas drásticas é que você pode perder todas as cartas de pressão, de negociação para outras questões no futuro”, aponta.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil poupou Vladimir Putin, mas não teve como se omitir diante desse novo cenário. Um comunicado divulgado na terça-feira (22) faz um apelo em prol da negociação pacífica e não violenta.
“O Itamaraty por um longo período adotou uma postura de neutralidade nessa crise. Desde 2014, quando começou essa crise nessas áreas separatistas, houve muito pouco posicionamento do Brasil. Mas não descarto que, em caso de ampliação da atuação militar da Rússia, os Estados Unidos pressionem nossa diplomacia a ter um engajamento maior no sentido de isolar a Rússia. Fica a incógnita de quão eficiente esse esforço”, avalia o pesquisador da USP.
Desafios diplomáticos brasileiros
De toda sorte, não há como apagar a imagem do presidente brasileiro posando para fotos ao lado do líder russo. Uma imagem que evidencia os desafios diplomáticos do Brasil que, para o analista político Creomar de Souza, tem tirado o país do rol das democracias mais influentes no mundo.
“O governo brasileiro tentou capitalizar a aparente diminuição da tensão entre Rússia e Ucrânia. O Itamaraty se posicionou criticando a porta-voz do governo dos Estados Unidos que havia condenado a viagem do presidente Bolsonaro e as declarações dele sobre o povo russo. Mas essa nova situação levou a um reposicionamento do Itamaraty em primeira instância. E, em segundo plano, a produção de uma nota”, disse Souza à RFI.
No entanto, segundo ele, o problema em relação à melhora da imagem da diplomacia brasileira no futuro engloba outras questões. “Sobretudo de 2016 para cá, o Brasil perdeu uma série de oportunidades para se colocar entre as democracias mais estáveis, seja por questões de governança, seja por questões políticas.”
Por isso, para o cientista político, mudar essa imagem não será uma tarefa fácil. “Eu acho que esse vai ser um trabalho de reconstrução muito difícil, independentemente de quem seja o próximo presidente da República”, conclui.
Publicado originalmente na RFI
Quem é o melhor nome para SP?
— DCM ONLINE (@DCM_online) February 18, 2022