Em entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner que será julgada na terça (6) em um processo em que é acusada de liderar um esquema de desvio de verbas públicas, destacou que como Lula, ela seria vítima de “lawfare”, quando juízes perseguem investigados por razões políticas:
(…) A senhora sempre se refere a um “Partido da Justiça”. Por que deveríamos acreditar que os juízes argentinos não são honestos? Por tudo o que estou te contando. Denunciamos que esse juiz [Ercolini] se declarou incompetente [para julgar a causa contra Cristina, há oito anos] e depois se declarou competente. Tudo cai em “saco roto” [em saco rasgado, ou em ouvidos surdos].
Ricardo Lorenzetti, que era presidente do Tribunal [a Corte Suprema de Justiça, equivalente ao STF brasileiro], na época, tirou foto com [o ex-juiz] Sergio Moro de um lado e com Bonadio, o juiz que perseguia a mim e à minha família, do outro.
Aqui o lawfare [perseguição de adversários por meios judiciais] foi enfrentado desde a cúspide do poder. Foi um fenômeno de toda a região. E eu tenho uma percepção sobre isso.
E qual é ela? O fenômeno do “Partido Judicial” aconteceu com Lula, com [o ex-presidente do Equador Rafael] Correa e acontece comigo.
Correa hoje é considerado um fugitivo asilado na Bélgica. E veja o que era o Equador quando ele governava e o que é hoje, um país devastado pelo narcotráfico, com uma desigualdade muito mais profunda.
Com Lula, a mesma coisa. A diferença é que as mesmas pessoas que o meteram preso depois foram buscá-lo e reverteram o que tinham feito. E por quê? Porque chegou Bolsonaro, um personagem que fez muito mal ao país e a muitos atores da vida brasileira.
Portanto, aqueles que insultaram Lula e permitiram que Dilma [Rousseff, do PT] sofresse o impeachment finalmente deram toda “la vueltita” [fizeram um giro] e terminaram admitindo que o juiz Moro tinha sido absolutamente parcial. (…)
A senhora conversou com Lula depois da vitória dele no Brasil? Seria impróprio repetir uma conversa privada. Mas tivemos um diálogo muito bom sobre a visão dele do que hoje precisa ser feito no Brasil.
Eu o vi muito sereno, firme, seguro e claro.
As pessoas que a criticam dizem que “Cristina não é Lula”, no sentido de que o presidente eleito do Brasil seria agregador, enquanto a senhora polariza seu país. Se eu olhar para a eleição brasileira, acho que o Lula se “cristinizou”. Hoje eu vejo como o Brasil está, e há uma polarização. E cuidado. Não se esqueça de que eu sou mulher.
Somos infinitamente mais atacadas quando exercemos cargos de poder. E se vamos contra o que desejam os setores poderosos de uma sociedade, a estigmatização é total.
Já estampei até capas de revistas em caricaturas que falavam do orgasmo de Cristina com o poder. E se a mulher além de tudo tem cara feminina porque penteia o cabelo, se pinta ou gosta de se arrumar [as coisas pioram].
Um amigo meu que não tem nada a ver com política, muito respeitado internacionalmente, mostrou minha imagem para outro amigo que nem sabia quem eu era. E disse “essa é a presidenta [da Argentina]”. E o amigo respondeu: “Mas ela tem cintura!”. E isso ficou na minha cabeça. Me pareceu uma grande definição. (…)