O botão do elevador para um portador
Por Paula Corrêa*, especial para o DCM
Passei tantas vezes as mãos no álcool que já não me lembro.
Era a certeza de que poderia matar alguém? Era.
Na ponta do meu indicador teria essa partícula invisível da morte? Teria.
Os velhinhos do meu prédio, pessoas que nem conheço ainda – mudei na pandemia- poderiam tocar aquele mesmo botão que eu.
Seria uma opção subir de escadas?
(Eu realmente não queria TOCAR nada. Porque TOCAR poderia ser uma morte. Ou algumas). E eu não tinha forças para subir nenhum degrau.
Ter forças.
É tão bom, né? Acordar, tomar café, trabalhar, almoçar, ficar com o filho, jantar, dormir. Fazer exercício, tomar um vinho, ver jornal. A vidinha pacata, normal, regradinha.
Mas aí se instala no seu corpo (como? por quê?) uma doença inédita, a doença que o MUNDO todo teme. E você também.
E apertar o botão do elevador? Pode ou não pode? Alguém criou essa regra? Que, veja bem, não é bem de boa convivência… Não é não querer dividir o elevador. Não é não querer dar bom dia. É, digamos assim, matar alguém. Aperto ou não aperto? E se o infeliz do vírus está na ponta do meu dedo? E vai ficar no botão do elevador esperando um velhinho meio desavisado apertar, e depois, subitamente, seu olho coçar veementemente? Ele pode apertar o botão com o dorso do dedo. Aí na hora de coçar o olho, ele também coça com o dorso, afinal, não é uma parte do corpo que ele use muito, então, na dúvida, usa o dorso que não usa muito. Mas ele apertou o botão com o dorso também!
Na dúvida, e repleta de culpa e confusão, passei muito álcool na ponta do dedo que iria usar para apertar o botão do elevador, e apertei. Ao abrir a porta, outro dilema. Bem, entrei. Lá dentro, outros tantos dilemas. Ao abrir a porta para sair do elevador, mais outros. No hall…
Entrei em casa, de onde só saí depois de quase 20 dias. Para garantir.
Bem… o que passei lá dentro, não importa muito agora.
Mas o que mais importa, mesmo, é que o interfone não tocou aqueles dias todos. E não tive notícia dos velhinhos do prédio terem covid.
*Paula Corrêa é escritora, poeta e jornalista. Nascida em São Paulo em 1978, cursou Comunicação e Artes do Corpo e é formada em Jornalismo pela PUC-SP. Escreveu os livros de poesia “In Vitro” (2004), “As Calotas Não Me Protegem do Sol (2010)” e “Tudo o que Mãe Diz É Sagrado”, este último pela editora Leya, com quarta capa de Eliane Brum e Ignácio de Loyola Brandão.