Por Filipe Reis Melo, professor de Relações Internacionais na UEPB
A Segunda Cúpula Rússia-África, realizada nos dias 27 e 28 de julho de 2023, reuniu as delegações de 49 dos 54 países africanos em São Petersburgo, Rússia. Como podemos interpretar esse evento?
Apesar da campanha midiática levada a cabo pela mídia hegemônica ocidental contra a Rússia e das pressões diplomáticas dos Estados Unidos, do Reino Unido e da União Europeia para que os países africanos não participassem do encontro, praticamente todo o continente africano se dispôs a viajar a São Petersburgo para discutir assuntos de interesses mútuos. É certo que, ao comparar com a primeira cúpula ocorrida em 2019, houve menos chefes de Estado presentes: 17 este ano e 42 em 2019.
O reconhecimento dos Estados africanos ao imenso apoio da União Soviética na luta pela descolonização da África foi herdado pela Rússia. Por isso, a Declaração Final ressalta os “laços de amizade históricos e comprovados entre a Federação Russa e os Estados africanos, respeito e confiança mútuos, tradições de luta conjunta pela erradicação do colonialismo e pelo estabelecimento da independência dos Estados africanos”. O ponto 14 manifesta a vontade de “contribuir para a conclusão do processo de descolonização na África e trabalhar para garantir a compensação dos danos econômicos e humanitários infligidos aos Estados africanos pelas políticas coloniais, incluindo a restituição dos bens culturais deslocados no processo de pilhagem colonial.”
O fato de que vários Estados africanos tenham como idioma oficial, por exemplo, o inglês, o francês e o português, mas não tenham o russo, é um indicador de quem sujeitou os povos africanos ao colonialismo e à exploração.
O ponto 8 da Declaração Final faz referência ao anseio mútuo de cooperar para alcançar a reforma do Conselho de Segurança da ONU, levando em consideração as realidades geopolíticas e a posição africana. Interessante notar que na Cúpula CELAC-UE, este tema também foi incluído na declaração final, o que indica insatisfação, especialmente dos países africanos e latino-americanos, com o antiquado Conselho de Segurança da ONU e suas regras de funcionamento.
O encontro sentou as bases para a cooperação em várias áreas:
Política e jurídica;
Segurança;
Econômica e comercial;
Científica, técnica, humanitária, educativa, cultural, desportiva, sanitária, juvenil e informativa;
Ambiental e climática.
A forma como o continente africano tem estabelecido suas relações com o mundo é um importante indicador da geopolítica mundial. A China e a Turquia, através de suas empresas, têm ocupado cada vez mais espaços nas economias dos países africanos. Mais da metade dos aparelhos celulares na África são de marcas chinesas. Os Estados Unidos e a França têm perdido aliados no continente. Nos últimos dois anos, golpes de Estado em Burkina Faso, Mali e, no último dia 26 de julho, no Níger, significaram a expulsão dos militares franceses e a solicitação do apoio russo.
Putin aproveitou a oportunidade para garantir o envio de grãos gratuitamente a cinco países, sendo que Burkina Faso e Mali estão entre eles. O grupo mercenário Wagner está envolvido nesses acontecimentos no Níger. Os Estados Unidos, que têm uma base de drones no Níger, e a França ameaçaram intervir no Níger para restaurar o governo anterior. Imediatamente, Burkina Faso e Mali declararam que qualquer intervenção ocidental no Níger seria interpretada como declaração de guerra contra esses dois países. O Ocidente perde força na África.
Apesar do contexto internacional de ampla campanha de russofobia promovida pelo Ocidente, conseguir realizar a Segunda Cúpula Rússia-África e levar todo um continente a São Petersburgo foi uma demonstração de habilidade da diplomacia russa e uma demonstração de poder de atração que a Rússia exerce em vários países que buscam livrar-se de antigas amarras coloniais ocidentais.
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