Publicado originalmente no Brasil de Fato
Por Nara Lacerda
O processo de licitação para contratar serviços de armazenamento de dados públicos em nuvem, no valor de R$ 245 milhões, é visto por profissionais da área de tecnologia como um risco à soberania brasileira.
O governo de Jair Bolsonaro defende a contratação de um serviço privado, afirmando que atende às necessidades de 140 órgãos e entidades, com o uso da nuvem representando economia na manutenção. No entanto, trabalhadores da área de tecnologia pública afirmam que as expertises do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) não foram levadas em consideração.
Leonardo Nichelatti, trabalhador do Serpro, afirma que não falta capacidade nas duas empresas públicas, eleitas algumas vezes como as melhores na área de tecnologia da América Latina. Segundo ele, a decisão é política e não técnica. O especialista, que é diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados no estado do Rio Grande do Sul, ressalta que os riscos do processo vão desde a violação de dados até o sequestro de informações, passando por retirada proposital de serviços do ar para fins lucrativos.
“É como se você pegasse os seus arquivos pessoais, colocasse em um pendrive e entregasse à guarda de outra pessoa. Ela tem os seus dados à disposição”, alerta Nichelatti.
“Se não cuidar bem alguém pode roubar o pendrive, acessar os seus dados, fazer uma montagem com as suas fotografias, pode impedir você de pegar o pendrive se não pagar um resgate, pode sequestrar os seus dados.”
“Agora, imagina se nesse pendrive está a sua biometria, as informações fiscais suas e da sua empresa, todos os fornecedores, clientes, valor de notas fiscais de compra e venda. O perigo não está apenas aos dados, mas também aos serviços estruturantes do estado”, completa ele.
Ainda de acordo com Nichelatti, o risco fica mais grave se a nuvem contratada for de empresas de empresas internacionais.
“Pior se a nuvem for em um país estrangeiro, pois ainda podemos sofrer algum tipo de embargo proposital. Imagina isso estar numa nuvem em um país externo, esse país faz um embargo, a empresa corta o serviço e nós ficamos sem arrecadação de imposto, ficamos com o comércio exterior paralisado. Imagina o caos que isso vai causar aqui dentro. Eu não imagino você abrir mão da sua soberania nacional em um ponto desse e sem necessidade.”
Essa será a segunda etapa de implantação de serviços de computação em nuvem na administração federal. A primeira fase, referente a dados de 25 órgãos, tem previsão de contratação no valor de R$ 55 milhões. Vale ressaltar que, por lei, Serpro e Dataprev não podem participar dessas licitações. Os dados que estão sob risco de ir para as nuvens privadas, hoje são armazenados em centros de dados das duas estatais, que contam com esquemas de segurança rígidos e altamente controlados.
Vera Guasso, secretaria geral do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados no estado do Rio Grande do Sul, afirma que essa é mais uma tentativa de enfraquecer a atuação das duas empresas, para privatização.
“Até o momento, o que a gente percebeu é que são contratações de serviços em nuvem de valores altíssimos, por fora das duas empresas públicas, principais de TI da América Latina. Se vai contratar um serviço em nuvem gigante, para que vai continuar existindo os datacenters? Se é por fora das duas empresas, qual é o interesse? Quem é que tem interesse? Quem vai controlar isso? Quem vai fazer a migração do que está no datacenter para nuvem?”, pergunta Guasso.
Ela diz que a possibilidade de que as informações fiquem sob controle de empresas transnacionais que dominam o mercado de dados no mundo é grande. Na sua opinião, dificilmente a licitação vai beneficiar empreendedores brasileiros.
“É uma perda acelerada de soberania do país e ao mesmo tempo um risco gigantesco, porque essas empresas têm compromissos de passar informações para os governos (estrangeiros), por exemplo. Nós estamos indo por um caminhos de perda de soberania. Eu ousaria usar aqui um termo do professor Sergio Amadeu, que fala no Brasil virando uma colônia digital”, afirma.
Os trabalhadores preparam uma denúncia que será apresentada ao Tribunal de Contas da União. Além disso, a bancada do Psol na Câmara, formalizou um pedido de informações ao Ministério da Economia.