Deputado estadual mais votado do Rio de Janeiro na última eleição, com 350 mil votos, Marcelo Freixo é um dos grandes nomes do PSOL. Em seu segundo mandato, Freixo tem no currículo a atuação na CPI das Milícias, iniciada em 2008, um segundo lugar na eleição para prefeito do Rio de Janeiro em 2012, com 30% dos votos, e atualmente é o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, a Assembleia Legislativa do Rio.
De fala rápida e respostas diretas, Marcelo Freixo falou ao DCM sobre o governo Dilma, a polêmica da votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a defesa dos direitos humanos e a esquerda no Brasil, entre outros temas.
O sr. declarou voto em Dilma Rousseff para evitar a vitória de Aécio. Entretanto, ela está cedendo aos tais interesses do mercado e tomando medidas outrora inimagináveis para o PT. Como o sr. enxerga essas concessões dela? Está fazendo a coisa certa, tentando garantir governabilidade para realizar projetos de interesse social, ou deveria agir de outra forma?
Não é novo esse posicionamento do PT. Eu saí do PT por saber que não voltaria a ser o que era. Portanto, isso não me surpreende; não há nenhuma medida nova nesse ponto. São medidas coerentes com o que o partido tem feito, que é governar junto com os interesses financeiros. O voto que dei na Dilma daria de novo, que é um voto que se transforma num veto. No primeiro turno você vota no seu projeto, e no caso eu votei na Luciana Genro.
A eleição deste ano foi uma das mais polarizadas da história brasileira. De um lado, havia o projeto tucano, do outro, o da continuidade. Votamos pela continuidade e não pelo retrocesso. E o segundo mandato da Dilma será ainda mais um mandato para buscar governabilidade, pois não vem de uma vitória, e sim do alívio de ter evitado a derrota.
O PSOL propõe a revisão da dívida pública e uma menor subordinação aos interesses dos financistas. Como isso poderia ser feito no Brasil? Poderia um governo superar isso, sendo refém de tantos interesses?
Essa história de superávit não existe nos EUA nem na Europa, só nos países periféricos que se sujeitam ao FMI. Não é algo natural, é algo que devemos questionar como projeto de país. A mídia fala da lei de responsabilidade fiscal de um modo que parece que se você for contra, você é a favor da irresponsabilidade fiscal, o que não é verdade. Essa lei serve para manter o pagamento de uma divida que não reconhecemos. Temos de discutir a quem serve a economia. Se é para as pessoas ou para a ciranda financeira que virou a economia. 43% do orçamento ano passado foi para o pagamento da dívida, muito mais do que foi investido em saúde. O que nós propomos é fazer a auditoria, não propomos deixar de pagar a dívida. Qualquer empresa, quando vai sanar seus problemas, a primeira coisa que faz é uma auditoria. A ideia da LDO é cortar do servidor, do trabalhador, cortar gastos com as pessoas.
O PSOL defende uma constituinte para a reforma política, orientada por um plebiscito. O sr. acha que a população brasileira está pronta para fazer as escolhas relacionadas a essa reforma?
A maturidade se constrói fazendo. A luta política é pedagógica. O povo não vai aprender fazendo telecurso, mas praticando. É claro que, quando você olha pra uma sociedade como a nossa, movida pelo medo, você se apavora. Temos várias pessoas defendendo a tortura etc. Mas é um processo em que temos de correr riscos. Não há outra maneira de fazer isso que não seja discutir. O debate precisa ganhar as igrejas, as escolas. E só tendo uma agenda que se faz isso. Se não temos essa agenda, a hora da discussão nunca vai chegar. Temos de debater as questões. Vivemos num momento de necessidade de radicalização da democracia. Não é fácil, é evidente, mas isso tem de ganhar as ruas, tem de partir da população, pois esse Congresso não vai realizar nenhuma reforma.
Vemos um crescimento do conservadorismo no Brasil, com um Congresso dito o mais conservador desde 1964. A quê se deve isso? A esquerda cometeu erros?
Acho que a esquerda cometeu vários erros, mas não sei se são os responsáveis pelo crescimento da direita. A direita teve competência para crescer. Além disso, vivemos numa sociedade conservadora, elegemos Collor, FHC, Sarney, Renan Calheiros. Não vamos achar que viramos conservadores agora; sempre fomos. Com a internet, isso fica mais claro. O que acontece é que a direita deixou de ter vergonha. Antes ela tinha um constrangimento, agora não tem mais. Então acontece de o Bolsonaro ter votação forte.
Tenho dúvidas se esse crescimento é algo consolidado no país, ou se é algo do momento, que capta uma insatisfação com a política brasileira. Os movimentos de junho de 2013 não eram progressistas nem conservadores; 1 milhão de pessoas na rua não é uma coisa só, não pode ser simplificado assim. Era uma grande crise de representatividade. Esse vácuo desemboca de alguma maneira no conservadorismo, de resposta rápida.
No seu site, está escrito que o sr. inspirou o personagem Diogo Fraga, do filme Tropa de Elite 2, um defensor dos direitos humanos. Recentemente, o governador Pezão disse que esses defensores não falam dos policiais mortos. O sr. acredita que é essa a imagem que boa parte da população tem dos direitos humanos e seus defensores? Como convencer pessoas acostumadas ao militarismo, ao clima de guerra, às respostas fáceis, que a solução do problema da violência passa por uma outra abordagem?
Esse é a face pedagógica da política de que eu falo. Fui o deputado mais votado do Brasil na última eleição, com uma campanha de defesa dos direitos humanos. Se temos por um lado um olhar míope, contra os direitos humanos, por outro temos um que defende isso. É bom não olhar apenas as derrotas.
Sobre essa visão a respeito dos direitos humanos, eu acho que o elemento principal é a intolerância e o papel do medo na sociedade. O medo facilita a hegemonia do Estado opressor. Quando ele tem de exercer sua violência, ele precisa da hegemonia, que é movida pelo medo. O medo é o combustível da violência estatal, para que ela possa agir com naturalidade. Essa é uma disputa, é uma briga política e permanente de educação. Por isso, precisamos nos preocupar com a ética e a estética. Temos de produzir documentos, relatórios, panfletos, todos os mais pedagógicos possíveis. Precisamos também democratizar os meios de comunicação. Temos um grupo de monopólios ilegais – a Constituição proíbe os monopólios e oligopólios. Tanto em relação aos direitos humanos quanto à reforma política, se tivéssemos um debate amplo, com uma comunicação como direito e não como negócio, talvez a sociedade pudesse ter um outro entendimento.
Em entrevista no ano passado (http://goo.gl/R1AyVH), o sr. deu uma declaração interessante, “a luta por direitos humanos é a essência da nova luta de classes”. A luta pelos direitos humanos foi adotada pela esquerda mais recentemente. O sr. acha que ela se sobrepõe, hoje em dia, à luta contra o atual sistema econômico? Poderia falar um pouco mais sobre essa ideia?
Na verdade, foi muito recentemente que a esquerda adotou a defesa dos direitos humanos. A economia fala de números, não de pessoas. Eu não estou negando a luta de classes, nem negando a relação capital x trabalho, e sim dizendo que existe outra visão. Essa relação não é a mesma dos séculos XIX ou XX. Vivemos numa sociedade em que uma parcela vive fora do trabalho, mesmo que trabalhe, e é vista como uma ameaça. Pela primeira vez temos mais pessoas na cidade que no campo. A luta de classes se dá na cidade de maneira muito acentuada, e nesse sentido tem uma parcela grande que sobrou e que não serve para esse capital que se reproduz, esse capital dos juros, dos bancos, que não gera empregos. Para essa lógica, há uma parcela que não serve mais nem de exército de reserva. É supérflua, sobrou, tem de ser destituída de utilidade. Por isso ela tem de ser reconhecida. Por isso a defesa dos direitos humanos propõe uma luta que se dá em elementos mais amplos, não só no trabalho, mas também na cor, na classe social, na orientação sexual etc.
Quais são as perspectivas para o Rio de Janeiro com a eleição de Luiz Fernando Pezão? Quais são os desafios neste novo mandato e como o PSOL lidará com eles?
É um governo eleito numa máquina muito poderosa, ligado às empreiteiras, aos negócios. O Rio hoje é um laboratório desse capital, de uma sociedade de espetáculo, da gestão privada, das empreiteiras. É uma cidade lava jato, é laboratório dessas contradições. O que cabe ao PSOL é propor outra concepção de cidade, com menos cimento e mais sentimento, visando o cidadão antes dos interesses. Não podemos ter dúvidas de onde nos colocar. Temos de ter um projeto para a cidade. E ele tem de ser construído com ampla participação da sociedade para 2016. Temos de ouvir a juventude das favelas, das escolas, da zona norte, sul, oeste, temos de dialogar com esses setores e buscar um projeto que dê uma sensação de pertencimento a eles. É um papel dos mais importantes; se o PSOL não fizer, ninguém fará.
O sr. deve acompanhar a situação em SP e o trabalho que Fernando Haddad vem desempenhando, inclusive na área de habitação e moradias, tentando se sobrepor aos interesses da especulação imobiliária. Quais são as semelhanças e desafios comuns entre as duas metrópoles?
Vivo muito intensamente a vida no Rio, então o que conheço do Haddad é pela imprensa, não o conheço de perto. Mas me agrada o que vejo. Gosto das medidas do IPTU, do diálogo com os movimentos sociais, me agrada muito a visão dele de cidade. Inclusive vou pra São Paulo nos próximos dias e estou tentando uma reunião com o Haddad. Ele tem uma cabeça política e urbana muito diferente do que temos no Rio, que me agrada muito.
Recentemente, a sede do PSOL em São José do Rio Preto foi pichada com uma ameaça e um símbolo nazista. Para o sr., os chamados neonazistas são uma ameaça real à sociedade brasileira? Como lidar com essas manifestações?
O Brasil não é o único país a ter pessoas que querem impor suas ideias por meio da violência e da discriminação. Tem em tudo que é lugar no planeta. O que não devemos é medir a ameaça pelo seu tamanho. Tem gente que fala: “ah, mas é só um grupo, são só 20, são só 50”. Se existe um que faça isso, é grave. O que determina a gravidade é a existência, não o tamanho. Fingir que não existe não é o melhor caminho. Temos de lidar com isso, de dar conta disso. Temos o debate sobre os estigmas, e os estigmas só existem com o preconceito. E isso pode se transformar em crime, é a lógica dos crimes de ódio. Faz tempo que defendo a criação de delegacias de crimes de ódio. Há determinados casos de crimes de ódio que não são investigados por não haver uma delegacia pra isso. Quando crimes de ódio não descambam para o ato de violência, não são investigados.
O sr. se enxerga como, ou tem a pretensão de ser, um expoente do futuro da esquerda no Brasil?
Não me vejo muito assim. Tem uma frase do Bertolt Brecht que é: “infeliz do povo que precisa de heróis”. Cada um tem seu papel. Eu tenho um papel de liderança, um mandato, não nego isso. Mas a luta tem de ser coletiva. Isso não se dá pela criação de líderes, e sim de canais, de radicalização da democracia, da cultura como manifestação e não como espetáculo. As pessoas vão exercendo seus papeis. Por exemplo: acabamos de sair de uma eleição para governador em que lançamos o Tarcísio Motta, que não era conhecido por ninguém há seis meses, e hoje é muito conhecido, é uma referência, teve votação expressiva. Então essas coisas mudam rapidamente. O que precisamos é criar mecanismos para uma luta mais coletiva.
O sr. foi o deputado estadual mais votado no Rio de Janeiro. Pretende deixar o mandato para se candidatar, novamente, à prefeitura do Rio?
Possivelmente. Cabe ao partido decidir. O meu nome naturalmente será colocado. Semana passada participei de um debate na sede do partido em que discutimos isso. É algo que temos de decidir com o partido e a sociedade. Em 2015 temos de fazer um debate sobre a cidade que queremos, sem pensar em partidos, pois esse debate é maior que o PSOL, o que queremos é maior que um partido. Se o partido assim decidir, eu serei candidato.