Neste sábado (17/7) a Defensoria Pública de São Paulo ajuizou uma ação civil pública na Justiça paulista cobrando a vacinação da população carcerária do estado de SP. Caso o estado não cumpra a imunização das pessoas em restrição de liberdade que compõem os grupos populacionais que já foram ou estão sendo vacinados na sociedade em geral, fornecendo a primeira ou única dose no prazo máximo de cinco dias, a ação pede que estado de SP, comandado por João Doria (PSDB) seja condenado em danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões, a serem destinados ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos (FID).
A ação cobra que a vacinação entre pessoas presas seja feita nos termos do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO) do Governo Federal, que prevê a prioridade na vacinação para as pessoas presas, classificadas como grupo com “elevada vulnerabilidade social”.
Ao todo 207.700 pessoas estão presas em São Paulo e desde o início da pandemia 74 detentos morreram em decorrência da Covid-19, 39 deles nos últimos cinco meses, segundo a ação. “Hoje, estão vacinando pessoas acima de 35 anos neste estado e, embora existam aproximadamente 80.000 acima de 35 anos presas em SP, conforme planilha da própria SAP [Secretaria da Administração Penitenciária], até o dia 13 de julho, apenas 18.102 pessoas presas foram vacinadas em São Paulo conforme informação da própria SAP enviadas em tal data ao Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo”, argumenta a Defensoria. Na população em geral, cada um infectado por Covid-19 pode contaminar de 2 a 3 pessoas, já no sistema prisional, uma única pessoa contaminada pode contaminar até 10 pessoas, afirmam os defensores públicos.
De acordo com Matheus Moro, defensor público que participou de 32 inspeções junto ao Núcleo Especializado de Situação Carcerária (Nesc) em unidades prisionais de São Paulo feitas durante o período pandêmico, o estado de São Paulo já havia sido oficiado diversas vezes pela Defensoria Pública sobre a necessidade da vacinação no grupo de pessoas presas.
“Embora durante o ano inteiro a gente tenha oficiado tanto a Secretaria de Saúde quanto a SAP no sentido de aplicar o plano da vacinação e nas sete respostas que eles nos enviaram disseram que aplicariam o plano nacional, na prática o que a gente percebeu, tanto pelas informações divulgadas pela SAP, ou seja, número de pessoas vacinadas, quanto pelas inspeções que a gente fez nos presídios, que as pessoas não estavam sendo vacinadas”, revela Moro.
Um levantamento com dados da própria SAP aponta que a doença já atingiu cerca de 91% das unidades prisionais do estado de São Paulo, mostram os defensores do Nesc, que também criticam as diferenças na testagem entre agentes penitenciários e pessoas presas. “61,68% dos testes aplicados em agentes penitenciários foram teste RT-PCR, em relação às pessoas presas esse número cai para 17,48% – se comparado com agentes prisionais revela a forma de tratamento diferente e menos protetiva dispensada para a população prisional.”
Além de não estar priorizando as pessoas presas, elas estão ficando para trás das faixas etárias das pessoas que estão em liberdade, diz o defensor. “Se eu fizer um novo cálculo agora, com as faixas de 34 e 33 anos que estão sendo vacinadas agora, já seriam 100 mil pessoas vacinadas. As informações de ontem [segunda-feira, 19/7] parecem que eram de 27 mil vacinados, então ainda continua aproximadamente com um quarto da população [carcerária] vacinada”, complementa.
Segundo ele, foram juntados vários dados nessas inspeções mostrando o racionamento de água, a falta de equipe de saúde, a falta de itens de higiene e a superlotação. “Várias condições carcerárias que fazem com que uma pessoa presa tenha 30 vezes mais chances de pegar a tuberculose do que uma pessoa em liberdade”, destaca.
Segundo o documento, 92,8% das unidades prisionais vistoriadas estão superlotadas, a com maior nível de ocupação, apresentava 230,5% de taxa de superlotação. Em 85,71% das prisões há racionamento de água: na Penitenciária Masculina de Sorocaba II, “as pessoas presas relataram que a água é liberada por apenas 45 minutos por dia”, diz o documento.
Além disso os defensores também encontraram infestação de insetos e falta de camas para todas as pessoas, sendo oferecidas lâminas finas de espuma sem nenhum tipo de revestimento aos detentos. “O retrato é assustador, as pessoas ficam literalmente amontoadas umas em cima das outras, algumas celas não têm espaço para que todas fiquem deitadas, são obrigadas a dividir a mesma lâmina de espuma para dormir”, diz a ação.
A maioria das celas são pouco iluminadas e com pouca ventilação, e a maioria também não possui auto de vistoria do Corpo de Bombeiros. A falta de produtos de higiene básica também foram analisadas pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária: para ter acesso a itens básicos como sabonete, pasta de dente, papel higiênico, ou absorventes íntimos para mulheres, por exemplo, os familiares devem enviar os produtos via correios apenas por Sedex, o que tem custo alto.
A ação civil pública menciona uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) que revela que 46% dos familiares de detentos ouvidos afirmaram não estar conseguindo enviar os produtos que faziam parte do “jumbo” em razão do custo do Sedex. “Em 30,8% das unidades inspecionadas, as pessoas presas relataram que nunca recebem produtos de higiene e em 23,1% raramente, ou seja, metade não recebe suficientemente durante a pandemia”, diz o documento da defensoria.
Nenhuma das unidades inspecionadas pelos defensores possui equipe de saúde completa nos moldes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). “Que observa os parâmetros do Sistema Único de Saúde (SUS) para a promoção integral e universal da saúde, contemplando a formação de equipe multiprofissional compostas por diferentes profissionais de saúde, com médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, dentistas, psicólogos, assistentes sociais, entre outros”, aponta a ação.
A ação ainda informa que o governo paulista, segundo dados da Plataforma Justa, cortou R$14 milhões do atendimento à saúde nas prisões e R$31 milhões de ações como a aquisição de produtos de higiene. “Os valores nominais empenhados neste programa durante o primeiro ano de enfrentamento da Covid-19 são menores que os investimentos realizados nos últimos cinco anos”, diz o documento.
Nesta terça-feira (20/7) a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP) Dora Martin Strilicherk se manifestou favoravelmente aos pedidos da Defensoria Pública de São Paulo e a eventual condenação do estado caso a vacinação não ocorra nos padrões requeridos.
Em sua manifestação a promotora diz que a administração pública estadual é omissa “em não proceder à rápida e ágil vacinação das pessoas privadas de liberdade”, afirma. “É ilegal, inconstitucional e inconvencional, além de representar ato de notória hipocrisia, tendo em vista que os constantes pronunciamentos dos gestores estaduais comemorando o avanço na vacinação no Estado encobrem o descaso do Governo com a população carcerária, que mais uma vez é alijada dos direitos mais básicos do ser humano”, conclui.
Outro lado
A reportagem questionou a SAP sobre as informações contidas na ação civil pública protocolada pela Defensoria Pública do estado de São Paulo. Até o momento a pasta não respondeu. A Ponte aguarda informações do Ministério Público de São Paulo e do Tribunal de Justiça de São Paulo.