Defensoria Pública responsabiliza governo Bolsonaro e garimpo pela tragédia Yanomami

Crise Yanomami envolve desnutrição, malária e abusos. A Defensoria Pública destaca descaso do governo Bolsonaro na região como “fato notório”

Atualizado em 5 de fevereiro de 2023 às 6:55
O Ministério da Saúde informa que pelo menos 570 crianças yanomamis morreram de causas evitáveis nos últimos quatro ano. Reprodução RBA

 

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual

Documento da Defensoria Pública da União (DPU) intitulado “Missão da DPU na Saúde Yanomami” traça um triste retrato da crise humanitária dos povos Yanomami na região amazônica. Defensores estiveram no território entre os dias 25 e 27 de janeiro e destacaram o garimpo ilegal e a omissão do governo Jair Bolsonaro como principais causas dos problemas. Entre as situações reportadas, desnutrição e disseminação de malária.

A região está sob estado de emergência de saúde desde o dia 20 de janeiro, decretado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar sanar a crise herdada de Bolsonaro. No relatório, a DPU destaca o descaso do ex-presidente como fator primordial para a tragédia que acomete aquele povo originário. “É fato notório que o governo federal, nos últimos anos, vinha descumprindo decisões da Supremo Tribunal Federal (…) bem como não cumpriu diversas recomendações expedidas pelo Ministério Público Federal (MPF) em Roraima que buscavam garantir o direito à vida e saúde dos povos indígenas da região”, afirma.

As crianças yanomami são as principais vítimas da conduta do ex-presidente. Como resultado do estímulo ao garimpo ilegal na região por Bolsonaro, o Ministério da Saúde informa que pelo menos 570 crianças yanomamis morreram de causas evitáveis nos últimos quatro anos. Por seu lado, o STF ordenou uma investigação sobre se as ações e omissões da gestão bolsonaristas configuram crime de genocídio. De acordo com o Estatuto de Roma, tratado assinado pelo Brasil em 2002, que cria o Tribunal Penal Internacional (TPI), entende-se por genocídio ato “praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Todos os levantamentos feitos na região apontam que 54% do território está devastado pelo garimpo. Além disso, outro resultado preocupante é a contaminação massiva dos peixes dos rios da região por mercúrio, metal utilizado na atividade. Os peixes são itens importantes da alimentação dos indígenas.

Crise Yanomami

No dia 25 de janeiro, a DPU realizou uma oitiva com lideranças indígenas locais. A reunião ocorreu em parceria com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e com a Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR). A partir dos dados obtidos, as entidades recomendaram 46 ações emergenciais para a região.

O vice-presidente do CNDH, André Carneiro Leão, relatou estar “estarrecido” com a situação encontrada, em especial na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) e no Hospital da Criança, em Boa Vista. “Constatamos uma verdadeira tragédia humanitária, uma tragédia, aliás, anunciada há bastante tempo. O CNDH, juntamente com a Hutukara Associação Yanomami, já em 2020, havia denunciado a situação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que concedeu medidas cautelares contra o Brasil, justamente em razão dessa situação, que já se agravava em razão da pandemia lá em 2020”, disse em entrevista ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Os alertas continuaram ao longo de 2021. Naquele ano, a CIDH impôs uma série de medidas provisórias ao Estado brasileiro para evitar “danos irreparáveis”. Contudo, a gestão Bolsonaro não agiu. “Ainda assim, o governo brasileiro não fez nada. Nós constatamos e foi possível perceber, a partir do processo de escuta e também das inspeções que fizemos na Casai e no Hospital das Crianças, que o resultado da omissão criminosa do poder público podia ser visto na pele das crianças desnutridas”, disse.

As medidas

Leão informou que existem medidas urgentes que devem ser tomadas. “Primeiro, na frente das medidas emergenciais. É preciso, de forma muito urgente, salvar vidas. Existem crianças, pessoas morrendo neste instante e, portanto, é necessária uma ação emergencial para o fornecimento e distribuição de alimentos e medicamentos nas diversas comunidades, nas diversas aldeias do território Yanomami, que é imenso.”

Por outro lado, são necessárias medidas estruturais, que envolvem a retirada do garimpo da região. “Após passarmos esse período de emergência, de salvarmos as vidas que estão em risco neste momento, será necessário todo um processo para atingir as questões mais estruturais que estão por trás de todo o sofrimento do povo Yanomami. E essas medidas estruturais passam, sem dúvida nenhuma, pelo processo complexo, sim, mas necessário de desintrusão dos garimpeiros”, completou.

Fator Bolsonaro

De acordo com a DPU, uma liderança da Ypassali Associação Sanumã relatou a situação como “muito séria”. “Morreram 19 pessoas nos últimos três meses só nessa região. 30 pessoas morreram na área de um de nossos povos. Vocês precisam fazer alguma coisa o mais rápido possível. Tem uma comunidade chamada Kuraimadiu. Cinco pessoas morreram de uma só vez”, completou.

Em uma entrevista ao portal g1, o subprocurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, afirmou que a situação Yanomami é mais grave do que há 30 anos. De acordo com o jurista, o discurso de incentivo ao garimpo adotado por Bolsonaro contribuiu para o cenário. “Você teve nos último quatro anos – e um pedaço do governo Temer – a ideia de flexibilizar o usufruto exclusivo (das TI) dos índios. Mas particularmente, nos últimos quatro anos, houve claramente o incentivo por parte do governo federal à presença de garimpo em terras indígenas”, disse.

Mariz Maia é conhecedor dos problemas da região. Ele atuou, em 1993, em um processo que levou à condenação de garimpeiros por homicídios de indígenas. Agora, ele classifica que a situação é ainda mais grave do que na época. “Na situação que tivemos anteriormente, houve um choque de determinados personagens, que exerciam uma atividade específica econômica em que interagiam e geravam atritos com membros da comunidade (…) Mas o Estado brasileiro se posicionou desde o princípio com absoluta clareza do seu dever de investigar, processar e punir”, descreveu.

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