A delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, revela “coincidências” com o relato de outro ex-PM, que surgiu no início das investigações do caso em maio de 2018, em um episódio desmascarado pela Polícia Federal (PF), conhecido como “investigação da investigação”.
Conforme informações do Globo, a narrativa apresentada pelo então cabo da Polícia Militar (PM), Rodrigo Jorge Ferreira, conhecido como Ferreirinha, era praticamente idêntica, embora com personagens diferentes.
Na ocasião, Rodrigo procurou voluntariamente um delegado da Polícia Federal para relatar ter visto o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, conhecido como Orlando da Curicica, junto ao então vereador Marcello Siciliano, em um bar e restaurante no Recreio dos Bandeirantes, tramando o assassinato de Marielle.
De maneira dramática, a suposta testemunha alegou ter testemunhado Siciliano batendo na mesa e dizendo em voz alta: “Tem que ver a situação de Marielle. A mulher está me atrapalhando”. Rodrigo também descreveu que o vereador olhou para o miliciano e disse: “Precisamos resolver isso logo”.
Dado que a investigação do duplo homicídio estava sob responsabilidade da Polícia Civil, o delegado da PF se uniu a dois colegas e levou a então “testemunha-bomba” Rodrigo para depor perante o titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Giniton Lages, encarregado do caso.
A corporação estadual aceitou a versão e começou a buscar provas que incriminassem o ex-policial militar, que havia sido ligado à organização criminosa de Curicica, inclusive em outros casos de homicídio.
A história, no entanto, foi desvendada durante um inquérito da PF, que investigava o trabalho da Polícia Civil, sob a condução do delegado federal Leandro Almada, atual superintendente da corporação no Rio. Em um extenso relatório de 600 páginas, apelidado de “investigação da investigação”, Almada desmascarou a farsa protagonizada por Rodrigo.
Almada descobriu que a “testemunha-bomba” fabricou uma história envolvendo Curicica, que o havia ameaçado de morte. Além disso, o plano de Rodrigo era se apropriar das áreas controladas por seu rival.
Na delação de Lessa, cujas negociações iniciaram em agosto do ano passado, o atirador de Marielle revela ter se encontrado com um dos dois mandantes. O ponto em comum entre as duas versões, embora envolvendo personagens diferentes, é que a pessoa que ordenou o assassinato da vereadora também instruiu Lessa a realizar o serviço, argumentando que Marielle o estava atrapalhando.
Chama atenção ainda que, na “investigação da investigação” da PF, Almada investigou a possível participação do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão na farsa, pois seu chefe de gabinete era um agente federal aposentado.
Entretanto, nas últimas páginas do relatório, o delegado da PF concluiu que não fazia sentido Brazão se envolver no caso, já que até o final de abril de 2018, um mês após o crime, o político “não foi incomodado pela investigação conduzida pela delegacia de homicídios”. Almada ainda observou que “plantar” uma testemunha seria “temerário e injustificável”.
O inquérito da PF foi concluído no primeiro semestre de 2019 e entregue ao Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio e à Procuradoria-Geral da República (PGR). Brazão passou a ser investigado como possível mandante meses após o duplo homicídio.
Vale destacar que Rodrigo enfrenta acusações de obstrução de Justiça e homicídio. Ele foi encarcerado em 31 de maio de 2019 e permanece detido no Presídio Joaquim Ferreira de Souza, no Complexo de Gericinó, em Bangu, Zona Oeste do Rio.