A liberdade de imprensa constitui-se como um pilar fundamental para o pleno exercício da democracia e da própria cidadania. Em democracias sólidas, a liberdade de expressão, a pluralidade do pensamento e o acesso a fontes de informações diversificadas e independentes constituem-se como princípios essenciais para o controle social das ações do Estado e para que os cidadãos possam buscar informações sobre os diversos temas, a fim de formar suas opiniões e decisões.
É justamente, por isso, que em estados de exceção, autoritários e totalitários, a pluralidade de opiniões e a liberdade de pensamento e de imprensa são uns dos primeiros direitos a serem atacados. Em geral, nesses regimes, a supressão da liberdade se dá por meio do uso da força, da censura e da propaganda oficial, como ocorreu amplamente, na América Latina e em nosso país, a partir das décadas de 60 e 70.
No Brasil, os veículos de comunicação se organizaram, historicamente, em torno de estruturas de oligopólios familiares, extremamente concentrados. Isso significa que, por muito tempo, um número limitado de famílias, donas dessas estruturas, detiveram o poder de pautar ou de silenciar os temas a serem tratados e discutidos pela sociedade brasileira.
Não à toa, estudo da organização Repórteres Sem Fronteiras, deste ano, intitulado “Monitor de Propriedade de Mídia”, classificou o Brasil na categoria vermelho. Nosso país foi, ainda, considerado o com piores indicadores para a pluralidade na mídia, entre Camboja, Colômbia, Gana, Mongólia, Peru, Filipinas, Sérvia, Tunísia, Turquia, Ucrânia e Marrocos.
O Brasil apresentou, no referido estudo, alto risco em sete dos dez indicadores analisados. A pesquisa verificou: concentração de audiência, concentração (financeira) de mercado, proteção legal: concentração de propriedade (horizontal), concentração de propriedade cruzada, proteção legal: propriedade cruzada, transparência na propriedade da mídia e proteção legal: transparência no controle da mídia. Além disso, controle político sobre veículos e redes de distribuição, controle político sobre o financiamento da mídia e controle político sobre agências de notícias.
Nesse contexto, a internet surge como uma alternativa de informação a essas estruturas oligopolizadas e tradicionais de mídia. A blogosfera e portais, como o 247, o GGN, o Diário do Centro do Mundo, o Tijolaço, a Mídia Ninja, entre outros, acabaram com a exclusividade que a mídia tradicional exercia sobre a formação da opinião pública e organizaram um contraponto à narrativa construída por esses oligopólios.
É evidente que a concentração da mídia, no Brasil, entra em conflito com o direito à liberdade de expressão e com o direito de acesso à informação, seja pela falta de pluralidade dos meios de comunicação ou pela difusão de informações com vieses de interesses econômicos ou políticos. Agora, essas alternativas de informação, que se constituem a blogosfera e os portais independentes, são ameaçadas por meio de uma estratégia de censura, atrelada à desqualificação das informações que publicam, os chamados fake news.
A internet deve ser um ambiente livre. Por isso, como senador, fui autor da emenda que assegurou a liberdade de expressão na internet no processo eleitoral. No mesmo sentido o Marco Civil da Internet, regulamentado no governo da presidenta Dilma, foi fundamental para aa manutenção do princípio da neutralidade da rede, da garantia do acesso universal aos serviços e da garantia da preservação do caráter público e irrestrito do acesso à internet.
É claro que, especialmente, as pessoas públicas estão sujeitas a constantes avaliações, críticas e cobranças da sociedade, em razão de seus atos. Entretanto, muitas vezes, são vítimas de ataques rebaixados na internet. Não é incomum que mentiras, calúnias e difamações se espalham na rede, sem qualquer possibilidade de defesa.
Essa situação é agravada por algumas plataformas que se especializaram em patrocinar esse tipo de ataque contra seus adversários políticos, sem assegurar o devido direito ao contraditório e à ampla defesa. Por isso, a discussão sobre a difusão do fake news é procedente. Entretanto, não é admissível que o debate sobre o tema ocorra em torno de qualquer perspectiva de censura ou de controle sobre a liberdade de imprensa, ou que venha a ser uma cortina de fumaça para sufocar a mídia independente e livre, que atua na internet.
Até porque, não se pode discriminar esse tipo de conduta entre os veículos tradicionais, a chamada grande mídia, e a nova blogosfera, a mídia independente. Não são poucos os casos de grandes veículos que já patrocinaram o fake news. Neste em particular, não podemos deixar de apontar a influência da mídia tradicional na edição do debate presidencial de 89, entre Lula e Collor, ou do apoio dessa mesma mídia ao golpe militar de 1964, ambos os casos largamente estudados pela literatura especializada.
Mais recentemente, recordamos da capa de uma revista de circulação nacional que, nas vésperas das eleições de 2014, estampou a manchete: “Eles sabiam de tudo”, contra Lula e Dilma, com cartazes espalhados pelas cidades e sem qualquer direito de defesa. A cobertura da mídia tradicional a respeito da redução da velocidade das marginais e da instalação de ciclovias, no governo Fernando Haddad na prefeitura São Paulo, é outro exemplo da disseminação de fake news pela mídia tradicional.
Para esses casos, o melhor instrumento é o direito de defesa e a reparação dos danos causados. A justiça, especialmente a Justiça Eleitoral, em razão da proximidade das eleições de outubro, deve desenvolver instrumentos que assegurem, em um tempo adequado, o direito de defesa e o direito de resposta, quando necessário.
A pluralidade de ideias e de pensamentos na blogosfera não pode ser ameaçada ou sufocada. Os debates em torno desse tema devem se dar com absoluta transparência. Além disso, não podemos aceitar, em hipótese alguma, que a questão do fake news seja utilizada como pretexto para pressionar plataformas tecnológicas, como o Google, o Facebook e o Youtube, por exemplo, a reduzirem os recursos da publicidade, repassados com critérios técnicos, a toda mídia independente, nas redes.
Na prática, essa redução geraria um estrangulamento financeiro da mídia independente. Esse impacto seria responsável, inclusive, pela redução de repasse das verbas do Governo para esses veículos, em razão do critério da mídia técnica, segundo o qual o gasto em publicidade tem como critério a audiência de cada mídia e seus respectivos veículos.
É de se estranhar que grandes empresas e que a mídia tradicional sejam, hoje, os principais patrocinadores de debates em torno do fake news. Devemos olhar com atenção e com rigor científico os estudos que vem sendo utilizados para embasar tecnicamente as discussões sobre o tema.
Em tempos de instalação de um estado de exceção seletivo, com apurações e investigações direcionadas partidariamente e do imobilismo frente a malas de dinheiro e a existência de contas no exterior, robustamente documentadas, precisamos preservar o pouco espaço livre para o contraditório, que ainda existe na internet. Não é admissível que o debate em torno do fake news ocorra com o propósito direcionado de sufocar financeiramente as mídias independentes, que criticam o golpe de 2016 e que expõe divergência em relação às políticas econômicas neoliberais e à ortodoxia fiscal, do governo ilegítimo de Temer.
Por mais que a mídia tradicional ainda tente deter o monopólio sobre a construção da narrativa em torno dos fatos, a internet e a mídia alternativa chegaram para romper esse paradigma. É muito bom que os cidadãos tenham, cada vez mais, acesso a diversos pontos de vista e a várias fontes de informação. Ainda que muitos não queiram, esse é um caminho sem volta. É fundamental que nossa frágil democracia continue respirando ares de pluralidade, de diversidade e de liberdade de opinião e de pensamento, ainda que de forma tão restrita.
.x.x.x.x
Aloizio Mercadante é economista, professor licenciado da PUC-SP e da Unicamp, foi deputado federal e senador pelo PT (SP), ministro-chefe da Casa Civil, ministro da Educação e ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação.