Texto publicado no RBA.
“O governo Temer, a rigor, tem uma sobrevida até o final do ano, mas do ponto vista fático, ele é um governo que acabou. E com essa fraqueza, ele então apela para uma instituição que ainda tem uma credibilidade pública, que são as Forças Armadas.” A opinião é do sociólogo e professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP) Aldo Fornazieri.
Para ele, porém, dado o caráter ilegítimo do governo, as Forças Armadas correm o risco de desmoralização, “se elas se entregarem ao jogo político de Temer”.
A criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, comandado pelo ex-ministro da Justiça Raul Jungmann, segundo Fornazieri, não resolverá os problemas que, teoricamente, a pasta deveria combater. Isso porque, antes, seria necessário implementar políticas públicas.
“Pobreza e violência andam juntas na América Latina, particularmente no Brasil. Se você não tiver um conjunto de políticas públicas, acho que o Ministério da Segurança Pública vai poder fazer pouca coisa”, avalia.
Poucas horas após tomar posse como ministro da nova pasta, Jungmann substituiu o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, pelo delegado Rogério Galloro.
O professor não acredita que o Brasil caminhe para uma ditadura, como algumas fontes da esquerda temem. “Não há ambiente internacional para isso.” Embora também não creia na possibilidade de as eleições de 2018 por algum motivo serem suspensas, Fornazieri diz que, “se o Lula for impedido (de concorrer), há uma ilegitimidade no processo eleitoral de 2018”.
De qualquer modo, para ele, “democracia no Brasil não existe”, já que um dos pressupostos básicos do regime é o equilíbrio econômico e material das pessoas. “Coisa que não temos aqui no Brasil.”
Na sua opinião, a criação do Ministério da Segurança Pública é uma jogada de marketing ou representa o recrudescimento do Estado de exceção?
Entendo que o mais importante é haver políticas públicas. Porque se você criar estruturas e não tiver políticas públicas adequadas, não vai resolver. Antes deveria haver uma noção de que tipo de políticas públicas para segurança vai ter, e depois criar as estruturas. O governo inverteu. Primeiro são criadas as estruturas. Da forma como foi criada a pasta, o método está errado.
Que tipo de políticas públicas o senhor recomendaria criar?
A segurança pública é um tema muito complexo. Pobreza e Violência andam juntas na América Latina, particularmente no Brasil. Se você não tiver um conjunto de políticas públicas, inclusive integrado com outros pastas, acho que o Ministério da Segurança Pública vai poder fazer pouca coisa. Tem que ter uma política de combate à pobreza, uma política social de atendimento aos setores vulneráveis, e aí sim, combinar isso com medidas preventivas de violência e fazer uma reforma geral das polícias.
Mesmo com a participação do governo federal, o fato é que a política de segurança é afeita principalmente aos estados, e o que temos hoje é um sucateamento completo das polícias. Então, em primeiro lugar, sanear as polícias, principalmente expurgando a infiltração que elas sofrem do crime organizado. Em segundo lugar, capacitá-las e, em terceiro, apostar mais na inteligência,porque grande parte dos crimes cometidos não têm solução nenhuma. Combinar medidas específicas de segurança com políticas sociais a populações vulneráveis, é isso que tem que ser trabalhado.
Como o senhor associa a criação do Ministério da Segurança com a intervenção do governo federal no Rio de Janeiro, e ao mesmo tempo com o fato de pela primeira vez um militar estar no comando do Ministério da Defesa?
Acho que é um retrocesso. O governo Temer é extremamente fraco, e não tem mais nada a oferecer. Um governo que vive o seu ocaso e está entregando a administração aos militares, o que é um sinal de fraqueza. O Fernando Henrique disse que todos os governos fracos apelam para os militares, e nesse ponto ele tem razão. O governo Temer, a rigor, tem uma sobrevida até o final do ano, mas do ponto vista fático, é um governo que acabou. E com essa fraqueza, ele então apela para uma instituição que ainda tem uma credibilidade pública, que são as Forças Armadas. Evidentemente há um risco de desmoralização das Forças Armadas, se elas se entregarem ao jogo político do Temer.
Não seria um risco também para a democracia?
Acho que a democracia no Brasil não existe. Me espanto com a esquerda, porque ela diz “é um risco à democracia”. Mas a esquerda não fala que teve um golpe? Então, se teve golpe, não é democracia. Podemos não ter uma ditadura, mas também não temos uma democracia, se estamos diante de um governo ilegítimo. A democracia já está em risco há bastante tempo.
Por outro lado, existe uma desigualdade brutal no Brasil, e a democracia não é um regime de desigualdade. Ela pressupõe um equilíbrio econômico e material das pessoas, coisa que não temos aqui no Brasil. Se a democracia está em risco há muito tempo, esse risco pode se aprofundar. Mas entendo que o sistema político brasileiro é um sistema não democrático.
Pode haver uma evolução do que está acontecendo para uma ditadura, como alguns analistas acreditam?
Ditadura, não. Não há ambiente internacional para isso. Mas violações dos direitos humanos, violações de aspectos sobreviventes da democracia, isso vai continuar acontecendo, por parte de um governo que está desesperado, que não tem moral nenhuma, que é ilegítimo e não tem mais nada a oferecer à sociedade.
As eleições deste ano, na sua opinião, serão legítimas?
Com certeza as eleições vão acontecer. Não há condições, nem internas, nem internacionais, para se cancelar as eleições. A ideia de que não vai haver eleições é um delírio da esquerda medrosa.
Mas e se, por exemplo, Lula for impedido?
Aí seria um aspecto de ilegitimidade da eleição. Se o Lula for impedido, há uma ilegitimidade no processo eleitoral de 2018.
No caso de ele ser impedido, a esquerda seria capaz de se unir em torno de outro nome?
Acho que não. Embora eu deseje a unidade da esquerda, ela se move por interesses partidários particularistas e pela famosa síndrome de Caim e Abel, porque se matam entre irmãos.