A imprensa operou uma mágica em Demóstenes Torres: transformou rapidamente um político paroquial e inexpressivo numa personalidade nacional.
Demóstenes, para ganhar uma cobertura extraordinária de jornais e revistas, seguiu a receita clássica: falou o que os outros queriam ouvir. Basicamente, um discurso arquiconservador enfeitado por uma pregação moralista em que o governo era combatido pela ótica da corrupção.
Com isso, Demóstenes se tornou uma presença ubíqua, previsível e maçante na mídia. Ele se juntaria a um coral conservador do qual fazem parte articulistas como Merval Pereira, Ali Kamel, Marco Antonio Villa, Luiz Felipe Condé e Arnaldo Jabor. Todos eles falam, essencialmente, a mesma coisa, frases como que extraídas dos discursos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher nos anos 1980. (Curioso que a nenhum deles ocorra fazer, já com a distância que vinte anos permitem, o balanço da obra que Reagan e Thatcher legaram aos Estados Unidos, ele, e ao Reino Unido, ela: declínio econômico acrescentado de uma elevação notável da desigualdade social. Cada um de seu lado do Atlântico, os dois criaram o que um economista americano chamou, num livro recente, de Nanny State ao contrário — Estados-Babás para os ricos.)
É vital que haja microfones para o pensamento conservador, concebido e lapidado ao longo da história por gênios como Adam Smith, David Hume e Edmund Burke. Mas onde o contraponto para ajudar o leitor a formar opinião? Hoje, esse contraponto está praticamente confinado à internet no Brasil. (A frustração dos internautas com a ausência do “outro lado” se reflete num vitriolismo digital que muitas vezes empobrece o debate em vez de enriquecê-lo. Fundamentalismo versus fundamentalismo. Acho intelectualmente desprezíveis expressões como “pig”, da mesma categoria ordinária e reducionista que “petralhas”.)
Até por razões econômicas – o consumidor de notícias que não se sente representado é sinônimo de perda de circulação e de audiência – é imperioso para a indústria da mídia brasileira a retomada do equilíbrio perdido. O Deus Mercado, para usar uma expressão cara ao conservadorismo, demanda isso. Os leitores — eu incluído — ficarão felizes.
Demóstenes floresceu exatamente num ambiente de perda de pluralidade de idéias na mídia brasileira. Picaretas aparecem assim, porque a filtragem fica rala. Basta dizer coisas como as que Demóstenes dizia, e seu celular vai tocar, chamado por jornalistas que precisam de frases para preencher textos com idéias preestabelecidas. Das entrevistas telefônicas a convites para participar de programas na Globonews ou escrever colunas é um passo. (Numa rápida pesquisa que fiz, vi que Demóstenes tinha até uma coluna no blog de Ricardo Noblat, das Organizações Globo.)
Demóstenes pertencia claramente à categoria dos conservadores de conveniência. Espertalhões como ele sabem como atrair os holofotes, e se adaptam às circunstâncias. Se para conseguir espaço ele tivesse que adotar uma retórica de esquerda, com certeza Demóstenes andaria com um chaveiro de Marx no bolso e repetiria frases de Lenine. Homens como ele têm uma única ideologia: a do dinheiro.
Demóstenes usou a imprensa, com motivos pecuniários, para se promover. Foi usado por ela, por motivos ideológicos. E quem perdeu nisso foi o Brasil: é nociva para a democracia a crença de que todo político é corrupto. E é difícil fugir dessa conclusão ao ler a história de Demóstenes.
Há uma espécie de justiça poética no fato de que a notícia mais importante da política brasileira em muitos anos tenha nascido não da mídia — mas da Polícia Federal. Para a qual seguem aplausos de pé.
Clap, clap, clap.